«(…) Como que ecoando antigas
pretensões, em registo mito-poético formuladas, de constituição de uma religião
nacional (detectáveis de forma explícita em Teixeira de Pascoaes e Fernando
Pessoa), Dalila estatui a saudade
como experiência culminante da proposta de sabedoria portuguesa, força
libertadora de reintegração, contributo para uma nova Descoberta perene e
universal, a descoberta do Mar Absoluto, o mar do espírito. Dalila vê ainda nas
próprias formas anímicas e históricas regressivas o elemento a utilizar por um
ser integrado, o elemento que permitirá levar para fora de si próprio,
dando-lhe a sua vera natureza, fazendo-o revelar-se, ao transcender-se a si
próprio e ao mundo. Dalila continuará a explorar esta original e paradoxal
conciliação da busca de um eu perene com uma pulsão de transcensão de si
e de saída para fora de si. Daí que também previna que a saudade possa
ser possibilidade dupla, de salvação e perdição para o povo que a elegeu e pratica.
E neste ponto parece detectar-se uma hesitação no pensamento de Dalila Pereira Costa.
Pois a saudade, enquanto experiência culminante e máxima da espiritualidade nacional,
depende afinal de uma finalidade que lhe seja dada, uma direcção que lhe seja impressa,
uma justificação teleológica para o movimento que desencadeia. Daí que seja necessário
proceder à comparação com o trabalho alquímico, bem metódico e descrito em suas
operações graduais: O nigredo, obra ao negro, será comparado à estação
do Rei na Ilha Encoberta, provação colectiva que define uma primeira operação
de auto-gnose, uma descida ao fundo da alma. Sebastianismo, Saudade, profetismo
apresentam-se assim como elementos de uma espiritualidade em oposição à
espiritualidade europeia moderna, como um núcleo a perseverar, um tesouro
desconhecido que haveria que desenterrar, ar a ver, partilhar e usar. Estabelecida
esta oposição com a Europa e o Ocidente modernos, a autora procede então à
confrontação da experiência da saudade com a espiritualidade do Oriente e
concretamente com o Budismo.
Em contexto budista, a importante
noção de mantra é tradicionalmente definida como um som protector (tra)
da mente (man) na medida em que se trata de um som puro, um som que ecoa
a realidade absoluta, é dito que só os budas plenamente despertos poderão
enunciar tais mantras, que dependem do conhecimento preciso de todos os
fenómenos do samsara e do nirvana, do conhecimento da causalidade
originária, do conhecimento da acção benéfica dos sons e da comunicação pela
língua e do conhecimento do karma e dos laços existentes entre as causas e os
efeitos. Dalila Pereira utiliza este conceito tradicional e redefine-o de modo
a encontrar na espiritualidade portuguesa quatro mantras, quatro fórmulas
eminentes de consciência do eu pátrio. Esta entidade espiritual colectiva,
ao modo de um mestre espiritual, transmitirá tais enunciados aos seus
discípulos, filhos espirituais ou herdeiros místicos que são cada um dos
portugueses. É dito que tais fórmulas permitirão a cada um o despertar, a subida
da energia própria para tomada de consciência de si. Como manifestação do
conhecimento supremo. Como revelação do Eu, que reside no seu eu. Vale a
pena aqui referir que, em contexto budista, mais especificamente no mantrayana,
o veículo dos mantras, designação também dada ao vajrayana ou tantrayana,
o veículo adamantino, o veículo que concilia a visão da vacuidade e a
utilização dos meios hábeis, as práticas mais avançadas, e que supõem uma longa
prática e o acompanhamento de um Mestre qualificado, propõem a visualização de
cada um sob a forma de um Buda, de cada um como já sendo aquilo que afinal
nunca deixou de ser, a natureza primordial para além de toda a ilusão». In
Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da Costa, Estudos,
Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista Lusófona de
Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.
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