«(…) Mas voltando a Fabrício,
apenas um dos seus colegas lhe mereceu relevo especial, a saber, quem o tinha
trazido do Colégio de Guyenne de Bordéus, o principal André Gouveia. Do mestre
português dirá, anos mais tarde, como é geralmente sabido, o mais famoso dos antigos
alunos do colégio bordelês, Michel Montaigne, que André Gouveia fora no seu
tempo, sans comparaison le plus grand
principal de France. Outros professores do Colégio das Artes, do grupo
trazido por André Gouveia, que recordo aqui para assinalar a sua presença em
Coimbra, entre 1548 e 1550, são, além do francês Arnold Fabrice, os seus compatriotas
Guilherme Guérente, Nicolau Grouchy e Elias Vinet; os escoceses George e
Patrick Buchanan; os portugueses João Costa, António Mendes Carvalho e Diogo
Teive.
Assinalemos a quantidade de
estrangeiros que se encontravam em Coimbra entre 1548 e 1550, pois muitos
dos mestres mencionados atrás na oração de Juan Fernandez, ele mesmo um
espanhol, são igualmente de além-fronteiras. Ao acaso, darei o nome de alguns :
Afonso Prado e Martinho Ledesma eram castelhanos; Martin Azpilcueta era basco;
Fábio Arcas e Ascânio Escoto eram italianos. Isto, pelo que diz respeito a
teólogos, canonistas e juristas; quanto aos médicos: Reinoso e Franco eram
espanhóis; e dos mestres de Artes, mencionados, Eusébio era italiano e Vicente
Fabrício, germanus, não sendo,
portanto, parente de Arnaldo Fabrício que era francês. Aliás, o alemão encontrava-se
em Coimbra, há muito, quando chegou o bordelês. A Vicente Fabrício há
referências nas denúncias à Inquisição (maldita): era acusado de comer carne às
sextas-feiras e de ir para a missa ler o escritor grego Luciano, a quem um
denunciante chama, sem grande propriedade, apóstata.
Tê-lo-á confundido com o imperador Juliano, o
Apóstata? A carne em dias defesos, não a comia sozinho, segundo o mesmo denunciante,
o médico Jorge Sá, mas com huû Amrique de
Colónia lyu.T0 q vyuia em coJmbra. Disse ainda o licenciado Jorge Sá que ho dito m.te fabricyo he m.to
merencório & q bebe como Alemão & q p A minham começa logo A beber.
A denúncia é de 4 de Maio de 1552.
Sete anos mais tarde, o livreiro
Anrique Colónia, certamente alemão como Fabrício, já tinha falecido, pois num
registo do Livro de Óbitos de Santa Cruz de Coimbra, entre 1558-70,
que me comunicou Maria Georgina Ferreira, se encontra a seguinte e valiosa
informação: aos 19 do dito mes e era [Junho de 1559] se finou Maria Ruan, f.a
de João de Ruan e jaz a par da pia do baptizar em a sepultura de anrique de
colónia seu primeiro marido (...). Portanto, o alemão Henrique Colónia era
casado com uma filha do francês João Ruão, cujo centenário da morte há pouco celebrámos
(em 1980; João Ruão faleceu em
Coimbra, em 28 de Janeiro de 1580). De outros estrangeiros em
Coimbra, e ligados a actividades culturais, temos conhecimento, por exemplo, de
mais um alemão, Sebastião Stochamer que veio para Coimbra como criado-estudante
do professor italiano Fábio Arcas Narni ou Narnia, já atrás mencionado. Era de
Ingolstadt, a norte de Munique, de onde acompanhou o seu patrão e mestre. Este
tomou posse do lugar de professor de prima de Leis em 29 de Outubro de 1547, mas veio a falecer, aqui em
Coimbra, em 10 de Julho de 1554.
Sebastião Stochamer tratou de tudo o que dizia respeito aos bens do amo com tal
isenção, que nada guardou para si, restituindo todos os haveres a um parente do
italiano que veio a Coimbra para o efeito. A Universidade ficou
impressionada com tanta honradez e dedicação do jovem bávaro que se encontrava
em graves dificuldades económicas. E João III promoveu Stochamer a cavaleiro fidalgo de sua casae nomeou-o corrector
das provas da Imprensa da Universidade com 30 000 réis anuais, quando o seu
antecessor, Cristóvão Nunes, ganhava apenas 12 000, desde que Fernão de
Oliveira, o mais antigo dos três, fora preso pela Inquisição (maldita)». In
Américo Costa Ramalho, Alguns aspectos da vida universitária em Coimbra nos
meados do século XVI (1548-1554), Revista Humanitas, volume XXXVII-XXXVIII,
1985-1986, Universidade de Coimbra.
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