quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Alguns aspectos da vida universitária em Coimbra nos meados do século XVI (1548-1554). Américo C Ramalho. «A Universidade ficou impressionada com tanta honradez e dedicação do jovem bávaro que se encontrava em graves dificuldades económicas. E João III promoveu Stochamer…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas voltando a Fabrício, apenas um dos seus colegas lhe mereceu relevo especial, a saber, quem o tinha trazido do Colégio de Guyenne de Bordéus, o principal André Gouveia. Do mestre português dirá, anos mais tarde, como é geralmente sabido, o mais famoso dos antigos alunos do colégio bordelês, Michel Montaigne, que André Gouveia fora no seu tempo, sans comparaison le plus grand principal de France. Outros professores do Colégio das Artes, do grupo trazido por André Gouveia, que recordo aqui para assinalar a sua presença em Coimbra, entre 1548 e 1550, são, além do francês Arnold Fabrice, os seus compatriotas Guilherme Guérente, Nicolau Grouchy e Elias Vinet; os escoceses George e Patrick Buchanan; os portugueses João Costa, António Mendes Carvalho e Diogo Teive.
Assinalemos a quantidade de estrangeiros que se encontravam em Coimbra entre 1548 e 1550, pois muitos dos mestres mencionados atrás na oração de Juan Fernandez, ele mesmo um espanhol, são igualmente de além-fronteiras. Ao acaso, darei o nome de alguns : Afonso Prado e Martinho Ledesma eram castelhanos; Martin Azpilcueta era basco; Fábio Arcas e Ascânio Escoto eram italianos. Isto, pelo que diz respeito a teólogos, canonistas e juristas; quanto aos médicos: Reinoso e Franco eram espanhóis; e dos mestres de Artes, mencionados, Eusébio era italiano e Vicente Fabrício, germanus, não sendo, portanto, parente de Arnaldo Fabrício que era francês. Aliás, o alemão encontrava-se em Coimbra, há muito, quando chegou o bordelês. A Vicente Fabrício há referências nas denúncias à Inquisição (maldita): era acusado de comer carne às sextas-feiras e de ir para a missa ler o escritor grego Luciano, a quem um denunciante chama, sem grande propriedade, apóstata. Tê-lo-á confundido com o imperador Juliano, o Apóstata? A carne em dias defesos, não a comia sozinho, segundo o mesmo denunciante, o médico Jorge Sá, mas com huû Amrique de Colónia lyu.T0 q vyuia em coJmbra. Disse ainda o licenciado Jorge Sá que ho dito m.te fabricyo he m.to merencório & q bebe como Alemão & q p A minham começa logo A beber. A denúncia é de 4 de Maio de 1552.
Sete anos mais tarde, o livreiro Anrique Colónia, certamente alemão como Fabrício, já tinha falecido, pois num registo do Livro de Óbitos de Santa Cruz de Coimbra, entre 1558-70, que me comunicou Maria Georgina Ferreira, se encontra a seguinte e valiosa informação: aos 19 do dito mes e era [Junho de 1559] se finou Maria Ruan, f.a de João de Ruan e jaz a par da pia do baptizar em a sepultura de anrique de colónia seu primeiro marido (...). Portanto, o alemão Henrique Colónia era casado com uma filha do francês João Ruão, cujo centenário da morte há pouco celebrámos (em 1980; João Ruão faleceu em Coimbra, em 28 de Janeiro de 1580). De outros estrangeiros em Coimbra, e ligados a actividades culturais, temos conhecimento, por exemplo, de mais um alemão, Sebastião Stochamer que veio para Coimbra como criado-estudante do professor italiano Fábio Arcas Narni ou Narnia, já atrás mencionado. Era de Ingolstadt, a norte de Munique, de onde acompanhou o seu patrão e mestre. Este tomou posse do lugar de professor de prima de Leis em 29 de Outubro de 1547, mas veio a falecer, aqui em Coimbra, em 10 de Julho de 1554. Sebastião Stochamer tratou de tudo o que dizia respeito aos bens do amo com tal isenção, que nada guardou para si, restituindo todos os haveres a um parente do italiano que veio a Coimbra para o efeito. A Universidade ficou impressionada com tanta honradez e dedicação do jovem bávaro que se encontrava em graves dificuldades económicas. E João III promoveu Stochamer a cavaleiro fidalgo de sua casae nomeou-o corrector das provas da Imprensa da Universidade com 30 000 réis anuais, quando o seu antecessor, Cristóvão Nunes, ganhava apenas 12 000, desde que Fernão de Oliveira, o mais antigo dos três, fora preso pela Inquisição (maldita)». In Américo Costa Ramalho, Alguns aspectos da vida universitária em Coimbra nos meados do século XVI (1548-1554), Revista Humanitas, volume XXXVII-XXXVIII, 1985-1986, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT