«Na primeira metade do século
XX, alguns matemáticos, com especial realce para o grupo Bourbaki , apresentaram
diversas formulações do conceito de função, muito próximas da maneira como ele
é estudado actualmente no secundário e na universidade». In
Armando Araújo
Nota: A quase totalidade deste texto foi extraído, com a devida vénia, da revista Ingenium, II Série, N.º 35, Março de 1999. Algumas frases estão ligeiramente alteradas, mantendo o mesmo sentido, outras são nossas, incluindo o título.
O senhor Bourbaki
Nota: A quase totalidade deste texto foi extraído, com a devida vénia, da revista Ingenium, II Série, N.º 35, Março de 1999. Algumas frases estão ligeiramente alteradas, mantendo o mesmo sentido, outras são nossas, incluindo o título.
O senhor Bourbaki
«Quem foi Bourbaki? Por estranho que pareça, o senhor Bourbaki
nunca existiu. Nem senhor nem senhora. Trata-se de uma organização secreta e iniciática, do inventor da noção de estrutura
matemática, de um dos maiores movimentos abstraccionistas do século XX, de uma
pequena, mas influente comunidade de matemáticos. Tudo começou no início do
século XX. Por essa altura, a escola alemã, liderada por Hilbert,
insiste na abordagem axiomática formal e rigorosa. Naturalmente, começa a
florescer mas, porque em 1914
rebenta a I Guerra Mundial, esse estilo-moderno não tem oportunidade de vingar noutros
países e os alemães poupam a sua elite científica aos horrores da guerra, ao
contrário dos franceses que, em nome das ideias da igualdade e da fraternidade,
enviam toda uma geração de jovens cientistas para as trincheiras. Resultado:
perdeu-se uma geração, colocando a França, em 1930, com um atraso de pelo menos 30 anos em relação à Alemanha. É
nesta altura que intervém uma geração de jovens turcos (matemáticos) saídos no
pós-guerra da École Normale. Eram eles: André Weil, Henri Cartan, Claude
Chevalley, Jean Delsarte e Jean Dieudonné. Estes cinco jovens, ao iniciarem
as suas carreiras académicas, constataram o enorme atraso da matemática
francesa. Cartan e Weil, discutem o problema, tendo este último proposto que se
encontrassem regularmente, para tentar redigir um texto actual. Esta ideia contagiou
os outros membros e, em 1935, aconteceu
o primeiro encontro, que durou uma semana. O grupo adoptou o pseudónimo colectivo
de Nicolas Bourbaki e,
em vez de redigir um tratado de análise, resolveu refutar toda a matemática e
reconstruí-la, a partir do nada. Foi, desta forma, criada a Associação dos Colaboradores
de Nicolas Bourbaki, em 1935. Foram seus fundadores Henri Cartan, Claude
Chevalley, Jean Coulomb, Jean Delsarte, Jean Dieudonné,
Char les Ehresmann , René de Possel, SzolemMandelbrojt e AndréWeil.
Gritar à vontade
Gritar à vontade
O estilo a adoptar seria
rigoroso, impessoal e assumidamente dogmático. Nada de vaidades pessoais.
Definição, teorema, demonstração e basta. Ignoravam-se motivações, exemplos, referências
históricas e aplicações. O edifício ficará totalmente estanque. Em cada livro Bourbaki só serão permitidas referências
a resultados demonstrados nos volumes anteriores. Este tratado, destinado a unificar
para sempre toda a Matemática, terá o nome de Élements de Mathématique.
Trata-se de um plano para os primeiros volumes desta enciclopédia que,
fatalmente, terá de iniciar-se com o fundamento mais básico: A Teoria
dos Conjuntos.
Os congressos do grupo Bourbaki terão lugar três vezes
por ano, sempre no campo, já que o bucolismo é convidativo à meditação. Não haverá
referências pessoais. O único nome a figurar nas obras será o de Bourbaki e qualquer texto com
este nome só pode ser publicado por unanimidade. Qualquer membro tem direito de
veto, é obrigado a manter o segredo da sua pertença ao grupo e retirar-se do
mesmo aos cinquenta anos de idade. Nos congressos, todos os membros podem e
devem interromper-se, gritando à vontade. A matemática será discutida aos
gritos, numa anarquia total. A qualquer momento, um membro pode ficar encarregado
de redigir um capítulo que, no dia seguinte, pode ser rasgado pelos outros membros
os quais, por sua vez, encarregarão um segundo membro de escrever uma outra versão.
E assim sucessivamente.
Por incrível que pareça, Bourbaki publicou vários volumes.
A
Teoria dos Conjuntos viu a luz do dia em 1939 e, desde então (até 1998), Bourbaki publicou 41 volumes. Este volume sobre a Teoria dos
Conjuntos consta da parte I, que se designa As Estruturas Fundamentais da
Análise, da qual constam os seguintes assuntos: Teoria dos
Conjuntos, Álgebra, Topologia Geral, Funções de Variável Real, Espaços Vectoriais
Topológicos e Integração. Só para se chegar aos números reais, com todas as
demonstrações necessárias, foram precisas mais de 3000 páginas. A título de
curiosidade informa-se que, em 1965,
foi editado o seu trigésimo primeiro volume.
Provável origem do nome
Provável origem do nome
Bourbaki tem uma
tradição de paródia surreal, começando pelo próprio nome. Napoleão teve um
general de nome Bourbaki, nome esse que foi aproveitado numa aula de praxe,
na École Normale, tendo os alunos inventado uma carreira fictícia para
Bourbaki. Primeiro, foi Membro da Academia das Ciências da Poldávia e, mais
tarde, professor na Universidade de Nancago (Nancy) e Chicago, universidade na
qual Dieudonné, o principal redactor de Bourbaki,
leccionava. As próprias actas dos congressos, que eram registadas no pasquim La
Tribu, são de uma alegria hilariante. Nas milhares e milhares de páginas publicadas,
este espírito permanece. Algures, na obra de Bourbaki, há uma gralha propositada,
que transforma um objecto filtrante à
esquerda e à direita, num debochado flirtante
à esquerda e à direita». In Armando Araújo, Cinco Turcos em Paris,
Nicolas Bourbaki, Matemática Lúdica.
A amizade de Armando Araújo
A amizade de Armando Araújo
Cortesia de AA/JDACT