«A
acção decorre em Susa, capital da Pérsia, por alturas da batalha de Salamina
(480 a. C.), da qual Ésquilo participou como soldado».
«O teatro deve representar o palácio dos reis da
Pérsia. Ver-se-á, ao lado, o túmulo de Dario.
Coro: Somos,
entre os persas, chamados os Fiéis. Guardiães deste rico e soberbo palácio,
aqui estamos, enquanto eles marcham contra a Grécia. Foi à nossa experiência,
que o filho de Dario, Xerxes, nosso rei e senhor, confiou os cuidados do
império. Porém, triste pressentimento. Nossa alma inquieta-se, no íntimo, pelo
regresso do rei e seu brilhante exército. A Ásia viu levar todas as suas
forças, e acusa um jovem príncipe. Não chega à capital da Pérsia nenhum correio
ou mensageiro. De Susa a Ecbatana, dos antigos baluartes de Ásia, infantes, cavaleiros,
gente do mar, que enorme massa de exércitos, deixaram todos a pátria. Assim
partiram Amistres, Artafernes, Megabises, Astaspes, príncipes dos persas, reis
submissos do grande rei, comandantes de numerosas hostes, hábeis no manejo do
arco e dos cavalos, temíveis no aspecto, terríveis nos combates, de insuperável
coragem. Assim partiram Artembares, bravo capitão de cavalaria; Masistres,
Imeu, o hábil arqueiro, Farandaces e Sostanes, que tão bem doma os corcéis. Das
fecundas margens do Nilo vieram Susiscanes, Pegastagon, que o Egipto viu
nascer; Arsames, que governa a sagrada cidade de Menfis, e Ariomardo, senhor da
antiga Tebas. Dos pântanos egípcios chegaram inúmeros, excelentes remadores. No
séquito do rei marchavam os efeminados lídios e todos os povos do continente,
submetidos ao sátrapa Metrágato, ao virtuoso Arceu. A opulenta Sardes viu sair
do seu seio milhares de homens em carros de duplo e triplo jugo, cujo aspecto
basta para fazer estremecer. Habitantes do monte sagrado de Tmolus, Mardon e Taribis,
infatigáveis guerreiros, e seus núsios armados dardos, jactavam-se de que em
breve a Grécia escrava se curvaria ao seu jugo. A rica Babilónia enviou tropas
de toda a espécie: marujos, arqueiros, orgulhos de sua perícia. À ordem
ameaçadora de seu rei, todas as nações da Ásia se armaram e o seguiram. Assim
vimos partir a juventude florescente dos persas. A terra que a nutriu a lamenta
e chora. Mães e esposas contam, a tremer, os dias de tão longa ausência. O
exército real, que arrasa todos os baluartes, já passou para o vizinho
continente. Sobre os seus navios, ligados por cabos, atravessou o estreito de
Heles, ficha de Atmas; indissolúvel ponte se estendeu sobre a face dos mares,
que ela subjugara. Digno rebento de augusta estirpe, mortal igual aos deuses, o
belicoso soberano da fecunda Ásia, pleno de confiança no valor de seus
intrépidos súbditos, à Europa conduziu, por terra e mar esse imenso exército.
Qual dragão homicida, lança olhares flamejantes. Armado de um milhão de braços,
seguido de mil navios, impelindo seu carro assírio, leva contra um povo famoso
por sua lança, guerreiros temíveis por suas flechas. Quem poderia enfrentar
essa vaga enorme de soldados? Nenhum dique deteria a indomável torrente. Nada resistiria
à bravura do persa. Mas quem, dentre os homens, evitará a insidiosa armadilha
da sorte? Quem dela escapará com pé ligeiro, fácil impulso? Acariciante e
lisonjeira, a princípio, ela atrai os homens a uma rede da qual nenhum mortal
pode desvencilhar. Há muito se manifestou a vontade do céu, que anima os persas
ao assalto das torres, à tumultuosa confusão dos corcéis, à destruição das
cidades. Contemplando a vasta planície dos mares escumantes ao sopro dos
ventos..., confiaram povos a frágeis cabos, débeis engenhos. O temor dilacera,
ao imaginá-lo, minha alma angustiada. Ó infortunado exército dos persas. Que
jamais a imensa cidade de Susa, sem defensores, aprenda a proferir tais
palavras. Ó infortunado exército dos persas. Que jamais os muros de Ássia necessitem
responder ao grito de uma turba de mulheres, que em prantos, a rasgarem os seus
véus. Todos, infantes, cavaleiros, como um enxame de abelhas, nas pegadas de
seu príncipe, galgaram os promontórios de ambos os continentes, unidos por uma
ponte. Na ausência do esposo, o pranto humedece os leitos nupciais. Desoladas
esposas. Com amorosa saudade seguistes o impiedoso companheiro, que para correr
às armas, vos deixou solitárias. Quanto a nós, persas fiéis, firmes neste
palácio antigo, redobremos de necessária prudência e sensatez. E meditemos. Que
foi feito de Xerxes, nosso rei, filho de Dario, pai tão bem amado? Caberá a
vitória à flecha disparada pelo forte arco persa? Ou vencerá o brandir da acerrada
lança helena? Já se adianta, porém, a mãe de Xerxes, astro semelhante ao olhar
dos deuses. Adoremo-la, todos, à uma, rendamos homenagem à rainha». In
Ésquilo, Os Persas, Clássicos Gregos e Latinos, tradução de Maria Carvalho, Edições
70, ISBN 978-972-441-568-0.
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