domingo, 18 de outubro de 2015

A Primeira Mulher de Camilo. Silêncio Injustificado. Alberto Pimentel. «Em 1847, Joaquina Pereira adoecêra. A 25 de setembro d’aquelle anno (1847) fallecia. No dia 27 era sepultada como pobre. Poucos mezes depois morria a filhinha de Joaquina Pereira. Assim desappareceu rapidamente a primeira família constituida por Camillo»

O sogro de Camilo 
jdact

Ha relâmpagos de memoria que abrem um vinco na fronte do homem. E a velhice extemporânea de alguns o que é se não recordarem-se? In Camilo Castelo Branco, A Enjeitada

Conforme o original

«(…) Camillo voltou ao Porto, como se combinara. Não lhe davam noticias de Friume, da mulher nem da filha, porque Sebastião Santos julgou que desse modo estimularia o amor do genro ao estudo. Desatados novamente todos os laços de família, por imprevidência do sogro, Camillo, feitos no liceu os exames preparatórios, matriculou-se no 1.º Anno da Escola Medica e na aula de chimica da Academia Polytechnica em outubro de 1843. Vivia como estudante pobre num esguio terceiro andar da rua Escura, rua que por este facto e por um romance de António Coelho Lousada ficou duplamente celebre. Na vida bohemia do Porto, colleccionando namoros colhidos nas trapeiras da rua do Souto e outras alfurjas, privado de ver a mulher e a filha por imposição autoritária do sogro, foi uma creança ás soltas, passou por todas as loucuras próprias da sua idade.
Elle mesmo o confessa, dizendo: Eu que descera das penedias transmontanas, perfumadas das essências das mattas altas, vestidas do rosiclér das auroras, da purpura vespertina dos crepúsculos, de moitas de rosmaninhos, e resvalara á sargeta da rua Escura… Em 1847, Joaquina Pereira adoecêra de cambras. O pai não avisou Camillo. A pobre rapariga, cuja dedicação, fortalecida pelo amor da filhinha, talvez tivesse sido capaz de conter a mocidade de Camillo se Sebastião Santos os deixasse permanecer juntos, conheceu que morria e pediu os sacramentos. A 25 de setembro d’aquelle anno (1847) fallecia. No dia 27 era sepultada como pobre.
As carpideiras, vizinhas que pranteavam officiosamente, acocoradas numa attitude de ceremonia oriental, ululariam clamores fúnebres em redor do cadáver da mal-casada, até que o abbade José António Rodrigues, de sotaina e sobrepeliz, seguido pelos quatro portadores do esquife parochial e acompanhado pelo mozinho com a caldeira de agua benta, viria encommendar o corpo. A pobreza do acompanhamento teve alguma compensação na missa de corpo presente, que foi cantada. Mas faltaram no funeral aquellas lagrimas, que não são espremidas pela convenção das carpideiras, antes nascem do luto de almas saudosas. Poucos mezes depois morria a filhinha de Joaquina Pereira. Assim desappareceu rapidamente a primeira família constituida por Camillo. Pode dizer-se que elle foi marido e pai sem conhecer os encantos da vida caseira, porque o não souberam conduzir a essa felicidade, talvez a maior da vida humana.
Sebastião Santos sahiu de Friume, passados anos, e, sempre aventuroso na ambição, estabeleceu uma padaria em S. Cosme ou no Porto, não sei bem. Quando Camillo, já ligado a dona Anna Plácido, vivia na rua do Almada, d’aquella cidade, em um prédio fronteiro ao collegio Podestá, uma irmã de Joaquina Pereira, mocetona de lindas cores e guapo talhe, ia algumas vezes visitar o cunhado. Anna Plácido não gostava desta visita; disse-o uma vez a um parente de Camillo. revelando-lhe as suas apprehensões (… informando-me de que seu pae recebia ás vezes uma cunhada de capote e lenço, de cujo nome não me lembro e que ele requestava ou de que não desgostava, mas que vivia no Porto, bem como o sogro, que era padeiro; carta do conselheiro António Azevedo Castello Branco ao visconde de S. Miguel de Seide, que a incluiu no desvairado protesto contra a suposta filha de Camilo, etc., etc…).

A família da noiva
Vão passados dezassete anos desde a publicação dos Amores de Camilo, e as novas investigações agora realizadas, cujo resultado não alterou fundamentalmente a narrativa que deixo transcrita, vieram proporcionar-me óptimo ensejo de completá-la com exactas e seguras informações acerca da família a que dona Joaquina Pereira França pertenceu. Mais ainda: Parentes seus, felizmente ainda vivos e residentes no Porto, permitiram-me conhecer a sua versão sobre o primeiro casamento de Camilo e os factos que se lhe sucederam, versão com que nem sempre concordo, mas que vou reproduzir e comentarei sem malignidade. Facilmente se compreenderá a razão por que me antecipo a dizer que esta família prosperou em condições de vida e fortuna, devidas a casamentos vantajosos. Posto isto. evoquemos genealógicamente os ascendentes da linda Quininha, dona Joaquina Pereira França. Seu pai, Sebastião Martins Santos, era filho legítimo de José Martins Santos e de Helena Vieira. Nasceu em Fânzeres (seis quilómetros a nordeste da cidade do Porto), freguesia do concelho de Gondomar, em 10 de janeiro de 1810. Exercia o ofício de alfaiate quando casou com Maria Pereira França, nascida na freguesia de S. Cosme (oito quilómetros a noroeste da cidade do Porto), daquelle mesmo concelho de Gondomar, no ano de 1806, filha legitima de Manuel Pinto Castro e Maria Pereira França». In Alberto Pimentel, A Primeira Mulher de Camilo, Silêncio Injustificado, PQ 9261C3Z738, Guimarães & Cª - Editores, Lisboa, 1916.

Cortesia de GuimarãesE/JDACT