«A brisa fria varreu a planície, carregando a borboleta em suas correntes. O curioso insecto voou
de um lado para outro, subindo, mergulhando, planando para cima e para baixo.
Era um lindo espécime, com as asas pintadas de um amarelo vivo coberto por uma
renda preta, e não se parecia com nenhum outro da região. Seu nome também era
incomum: Papilio panoptes. A borboleta sobrevoou a estrada vigiada,
passou pelos rolos de arame farpado e pela cerca de segurança electrificada. Do
outro lado havia um campo de flores silvestres, impressionantes por sua
variedade e cor. Não se via construção alguma: nenhuma casa, paiol ou prédio de
qualquer tipo. Somente os montes de solo recém-compactado, quase indiscerníveis
debaixo das flores, davam mostras do trabalho que acabara de ser concluído. Apesar
da longa viagem, a borboleta ignorou as flores. Não buscou seu pólen de cheiro
forte nem se deleitou com seu doce néctar. Em vez disso, decidiu voar mais
alto, aparentemente obtendo sustentação com o próprio ar. E ali ficou, uma
bandeira amarela tremeluzente suspensa no céu pálido de Inverno. Não aterrissou
em nenhum arbusto de lavanda para descansar. Não bebeu de nenhum dos velozes
riachos que desciam das montanhas escarpadas e majestosas e corriam pelas férteis
planícies de grama. Na verdade, não se aventurou sequer uma vez do lado de fora
do perímetro de um quilómetro quadrado, traçado com precisão pela cerca.
Satisfeita em pairar acima dos campos coloridos, ficou voando de um lado para
outro, dia após dia, noite após noite, sem parar para comer, beber ou
descansar. Depois de sete dias, um vento brutal, o nashi, chegou do norte. Desceu os desfiladeiros rugindo e projectou-se
pelas planícies, ganhando velocidade e impacto e fustigando tudo que encontrava
pela frente. A borboleta não pôde lutar contra as incansáveis correntes. Suas
voltas pelo interior do perímetro a haviam deixado cansada e vulnerável. Uma
rajada em espiral a colheu, girou e lançou-a no chão, despedaçando seu corpo frágil.
Um guarda que patrulhava a estrada reparou na mancha amarela e preta sobre a
terra batida e parou o seu jipe. Aproximou-se com cautela e ajoelhou na relva
que chegava à altura de seus tornozelos. Aquela borboleta era diferente de
todas as que tinha visto. Em primeiro lugar, era maior. Suas asas eram rígidas,
com pedacinhos serrilhados de um metal fino como papel projectando-se da superfície
sedosa. O corpo, coberto de penugem, era dividido em duas partes conectadas por
um fio verde. Intrigado, pegou-a para examinar. Como todos os que trabalhavam ali,
era, em primeiro lugar, um engenheiro e, com relutância, um soldado. Ficou
abalado com o que viu. Dentro do corpo da borboleta havia uma bateria de alumínio
do tamanho de um grão de arroz e, presa a ela, um transmissor de micro-ondas.
Usando a unha do polegar, ele afastou a pele que recobria as antenas e revelou
um feixe de cabos de fibra óptica, finos como cabelo humano. Não, disse para si mesmo. Não
pode ser. Não tão cedo. De repente, já estava correndo de volta para o
jipe. Palavras percorriam a sua mente em turbilhão. Explicações. Teorias. Nenhuma
delas fazia sentido. O pé esbarrou numa pedra solta e ele se estatelou no chão.
Levantando-se aos tropeços, andou apressado até o jipe. Cada minuto era vital.
As suas mãos tremiam quando ligou o rádio para os seus superiores. Fomos
encontrados.
Jonathan Ransom limpou o gelo dos óculos e ergueu os olhos para o céu. Se o tempo
piorar, pensou, vamos ter problemas. A neve caía com mais força. Um vento rugia
e fazia chover gelo e cascalho em seu rosto. Os picos escarpados e conhecidos
que rodeavam o vale alpino haviam desaparecido atrás de um esquadrão de nuvens
ameaçadoras. Ele ergueu um dos esquis, depois o outro, inclinando-se para a
frente enquanto ia subindo a encosta. Películas de nylon presas à parte inferior dos esquis faziam-nos aderir à neve.
Fixações de caminhada nas botas permitiam-lhe andar com desenvoltura. Era um
homem alto, de 37 anos, quadris estreitos e ombros largos. Um gorro de lã justo
escondia os cabelos fartos e prematuramente grisalhos. Óculos de neve protegiam
os olhos negros. Tudo que se via era uma boca decidida e bochechas ásperas com
uma barba de dois dias. Usava o seu velho casaco de patrulheiro florestal de
esqui. Nunca escalava sem ele. Logo abaixo, a sua mulher, Emma, subia com
dificuldade a encosta da montanha, usando uma parca vermelha e calça preta. O seu ritmo era irregular. Dava três
passos para cima, depois descansava. Dois passos, e descansava. Tinham acabado
de passar metade da subida e ela já parecia exausta». In Christopher
Reich, A Farsa, tradução de Fernanda Abreu, Editora Arqueiro, S. Paulo, 2008, ISBN
978-858-041-013-6.
Cortesia
de EArqueiro/JDACT