«Dona
Mariana Bernarda Távora, condessa de Atouguia pelo casamento com Jerónimo
Ataíde (1721-1759), que viria a ser o 11º titular desta casa, nasceu em
1722. Era filha de dona Leonor Távora
(1700-1759)
e de Francisco de Assis, terceiros marqueses de Távora, ambos supliciados em 13
de Janeiro de 1759, acusados de
envolvimento no atentado contra o rei José I, em Setembro do ano anterior. O
mesmo aconteceu, como é sabido, com seu marido e ainda com os irmãos Luís
Bernardo (1723-1759) e José Maria (1736-1759). Nascida em Lisboa, no
seio de uma das famílias mais poderosas do reino, dona Mariana foi prometida ao
primo, Jerónimo, quando tinha sete anos, e depois de algumas
hesitações e alterações à primeira combinação, veio a desposá-lo em 2 de
Dezembro de 1747, aos vinte e cinco anos de idade. Residiu no palácio dos condes
de Atouguia, situado na parte ocidental da rua dos Cabides e na oriental da Boa
Viagem, na esquina da rua Nova do Almada com o Chiado e, na sequência do
terramoto de 1 de Novembro de 1755, passou a viver, juntamente com os pais,
numas barracas na quinta da condessa da Ribeira, dona Margarida Francisca
Lorena (1707-?), [era casada com José Câmara (1712-1757), 4º conde da
Ribeira Grande; era tia da condessa de Atouguia, por ser irmã de Francisco
Assis; eram ambos filhos de Bernardo António Filipe Távora, 2º conde do Alvor,
e de dona Joana Lorena; para o estabelecimento das redes familiares foram
consultadas, cruzando muitas vezes as informações, as fontes impressas
seguintes; Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Portugal,
Lisboa, 1933; História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Coimbra,
Atlântida, 1946-1955; Resenha das Famílias Titulares e Grandes de Portugal,
Lisboa, Empresa ed. de Francisco Arthur Silva, 1991; Nobreza de Portugal,
bibliografia, biografia, cronologia, filatelia, genealogia, heráldica,
história, nobiliarquia, numismática, Lisboa, Enciclopédia, 1960]. Teve seis
filhos: Luís, Francisco, dona Leonor, dona Rosa, dona Clara e António. Em
Janeiro de 1759, Luís
tinha dez anos e António dezasseis meses. A sentença que condenou pais, irmãos,
tio e marido de dona Mariana Bernarda conduziu-a ao encarceramento por vinte e
dois anos no convento das Capuchinhas de Sacavém, juntamente com as duas
filhas, dona Leonor e dona Clara, a dona Rosa já tinha falecido, e com António,
o mais novo. Luís e Francisco
passaram para a Casa da Missão de Rilhafoles dos Padres de S. Vicente de
Paula e daí para o convento da Trindade, onde permaneceram até que a
inocência de donaMariana foi reconhecida pela sentença de 30 de Junho de
1780.
Referindo-se
a 23 de Agosto de 1787, Bombelles recorda, no seu diário:
[…] la comtesse d’Atouguia, veuve d’un
des suppliciés, qui avec sa soeur la marquise d’ Alorna, a perdu sur le même
échafaud son père, sa mère, ses deux frères et son oncle le duc d’Aveiro [.et
que..] n’a pour vivre qu’une pension de 600.000 reis que lui paye la cour
depuis la confiscation des biens de sa maison. Avec ce revenu excessivement modique pour le pays,
elle vit, dit-on, décemment dans une campagne entre Sacavem et Lisbonne. Deux de ses filles sont religieuses dans une maison
de Sacavem dont la règle est extrêmement austère. Elle ne sait que faire de ses
fils qui ont de la reine une pension égale à la sienne mais qui depuis le
supplice de leur père ne peuvent ni porter leur nom ni être employés dans
aucune partie du service portugais. Cette fatalité pour des enfants innocents
est affreuse
(Journal d’ un ambassadeur de France au Portugal 1786-1788, Paris, 1979;
note-se que, depois de manifestar a pena que lhe causava a situação da condessa
e de seus filhos, Bombelles regista as dúvidas que corriam sobre a eventual
culpabilidade dos condenados: Longtemps j’ai cru leur père, Jerónimo de Ataíde,
et les autres condamnés, excepté le duc d’Aveiro, sans qu’ils aiente été
coupables, mais aujourd’hui je suis bien embarrasse de trouver l’évidence que
leurs partisans veulente donner à tout ce qui rend leur sentence injuste; des
gens raisonnables et qui ne tiennent à aucun parti prétendent être sûrs que la
Reine a dans les mains les lettres de la jeune marquise de Távora qui avant l’assassinat
du roi l’avertissait du danger qu’il courait et de la fureur des siens).
Não
saberíamos muito mais sobre donaMariana do que acima se disse, se o padre Valério
Cordeiro não tivesse publicado em 1916, em Pontevedra, e a data e o lugar merecerão posteriores reflexões,
um manuscrito, que acompanhou de uma introdução prévia, intitulado Memorias
da ultima Condessa de Atouguia, Manuscrito autobiographico inédito.
Reeditado em 1917, em Braga, na
sequência do interesse despertado, de que a imprensa católica da época se fez
eco (o padre Cordeiro confere um conjunto de referências de que dá conta na
nota da segunda edição; a maioria das notícias data de Outubro, Novembro e
Dezembro de 1916; são, portanto,
imediatamente sequenciais à primeira edição de Pontevedra de 1916, circunstância que pode traduzir o
empenhamento dos círculos ligados aos jesuítas na divulgação e circulação da
obra), o texto relata o lapso de tempo, entre 1756 e 1759, em que dona
Mariana Bernarda foi dirigida espiritual do jesuíta Gabriel Malagrida (1689-1761)
que, como se sabe, viria a morrer estrangulado e queimado em 1761, num auto de fé. Embora o
escrito de dona Mariana recorra muitas vezes a recordações do passado anterior
a 1756, que aliás muito pesa na economia narrativa do texto, o seu núcleo
fundamental parece, num primeiro momento, prender-se às orientações da direcção
espiritual conduzida pelo padre jesuíta.
Se tivermos em
conta que os anos dessa orientação são os anos subsequentes ao terramoto e
justamente anteriores aos trágicos acontecimentos que se abateram sobre a
família da condessa em 13 de Janeiro de 1759, não parece arriscado
concluir que estamos perante um texto mais a juntar ao complexo processo dos
Távoras e ao não menos espinhoso problema da expulsão dos jesuítas e,
obviamente, a mais uma tentativa de interpretação das acções e opções de
Sebastião José Carvalho Melo. Desse ponto de vista, procurarei aduzir algumas
reflexões sobre as datas de publicação do manuscrito pelo padre Valério
Cordeiro, sobre o percurso seguido pelas cópias conhecidas e, finalmente,
sobre a sua eventual natureza autobiográfica, orientações e objectivos,
procurando demonstrar que o texto se encontra travejado por um conjunto de
estratégias de re-orientação da memória não apenas dos Távoras, como família,
mas também da Companhia de Jesus». In Zulmira C. Santos, Entre Malagrida e
Pombal. As Memórias da última condessa de Atouguia, Península, Revista de Estudos Ibéricos, nº 2,
2005, 401-416, Universidade do Porto.
Cortesia
UPorto/Península/JDACT