Leitura Decorativa
«(…) Além
dos elementos decorativos já referidos, como sejam: no portal principal, as
cordas, o encanastrado e o rosto; no óculo, a cruz de braços iguais e centro
vazado; no portal lateral sul, mais um elemento em corda; e, por fim, na pia de
água benta, a linha quebrada, a cruz e a circunferência; é, no entanto, nos capitéis e chaves da capela-mor
que se encontra o maior programa decorativo. Iniciamos a leitura pelos capitéis
do lado norte e, assim, encontramos o primeiro (o do arco triunfal) e o
segundo, que apresentam, nas arestas, elementos decorativos num só nível e que,
embora carcomidos, parecem vegetalistas. Os terceiro e quarto capitéis (os
centrais), continuam a ter decoração vegetalista na face anterior dos seus
corpos: num, trata-se de uma haste horizontal com folhas carnudas, de
nervuras assinaladas por fina aresta relevada; no outro, duas hastes
cruzam-se, terminando em forma romboide, como folhas, com nervuras marcadas por
arestas em cruz, sendo as intercepções e extremidades bem vincadas por pequenos
orifícios. O capitel seguinte apresenta longas folhas, recortadas e curvas, que
saem dos ângulos do seu corpo.
A sul, as
duas arestas do corpo do capitel do arco triunfal apresentam: de um lado, uma
cabeça de bovino, com olhos, narinas, boca e chifres, bem definidos; e, do outro,
um rosto humano sobre o comprido, com queixo pronunciado, olhos, nariz e boca,
também bem assinalados. O capitel seguinte, o segundo, é atravessado por uma
folha oblonga de nervuras peniformes. No corpo do terceiro capitel, em cada
aresta, surge um rosto (?) ou
máscara (?), envolvido por um
modelado singular, trabalhado em três níveis, que sugere barba, ou elemento de
vestuário ou armadura. Dos vértices do quarto capitel, e sublinhando as
arestas, nascem duas folhas de lóbulos arredondados e de recorte muito profundo.
As duas arestas do quinto capitel apresentam folhas bifurcadas, dispostas em
dois níveis. Centrado na face anterior do capitel encontra-se um elemento
circular, em relevo, de centro vazado e eixos oblíquos, sugerindo movimento de
rotação.
As duas
chaves, com formas muito irregulares, contêm vários elementos decorativos, mas
só alguns são susceptíveis de leitura. Esta dificuldade deve-se principalmente
ao estado do material. Apenas uma apresenta elementos figurativos,
antropomórficos. São três rostos, um voltado para o centro, com cabelo, colando
o seu desenvolvido queixo a um outro pequeno rosto, redondo, com cabelo, olhos,
nariz e boca, assinalados. Unindo as duas bocas existe um elemento, não
identificável (língua?, fio?, fita?). A terceira face, redonda, colocada
diametralmente oposta às anteriores, tem, boca, nariz e olhos, apontados. Da
boca, bem aberta, sai uma forma longa (língua?) e fusiforme, com
nervuras, que sugere uma folha ou um peixe. Outros elementos semelhantes, com
nervuras em fino relevo, em espinhado ou em cruz, completam a composição da
chave. No centro repete-se a forma discoidal, com eixos oblíquos,
idêntica ao já mencionado num capitel. A outra chave apresenta, exclusivamente,
elementos carnudos e recortados. Toda a decoração descrita, tanto vegetalista
como figurativa, é extremamente fruste, agravada pela forte erosão que
apresenta, para o que contribuiu, sem dúvida, a qualidade da pedra utilizada.
Nossa Senhora de Guadalupe. Possíveis Origens do seu
Culto
A leitura
integral que tentámos realizar deste monumento, não se cingindo apenas aos
elementos figurativos representados, foi o resultado de uma necessidade sentida
de articulação entre todas as formas encontradas. Segundo a tradição, o
culto de Nossa Senhora de Guadalupe, na Península, remonta à época visigótica,
quando o papa Gregório Magno, que lhe era muito devoto, enviou a imagem da
Virgem ao bispo de Sevilha, Leandro, por seu irmão Isidoro. Quando da
ocupação muçulmana, para que não houvesse profanação, enterraram essa
imagem, tendo ela assim permanecido até ser reencontrada por um pastor, no
século XIV (a data estimada para o acontecimento
situa-se entre 1330 e 1340; para frei Agostinho Santa Maria, a aparição
deu-se; umas vezes em 1240, appareceo pelos annos de 1240, pouco mais, ou menos, a Rainha
dos Anjos a hum vaqueyro; outras, em 1440,
e como a Senhora de Guadalupe se
manifestou em Hespanha pelos annos de 1440,
pouco mais, ou menos, Lisboa, 1712), em condições ditas
milagrosas.
O pastor
tinha perdido uma vaca junto ao rio Guadalupe, perto de Cáceres, encontrando-a
morta ao fim de três dias de buscas. Fez, como era costume, o sinal da cruz sobre ela,
antes de a esfolar para aproveitar a pele, e, eis que o animal volta à vida. Simultaneamente
apareceu-lhe Nossa Senhora, que o incumbiu de participar o facto aos padres da
sua terra, para que, naquele local, onde escavando encontrariam a imagem,
construírem um templo em sua homenagem. O pastor, de regresso a casa, encontrou
um filho morto e prestes a ser enterrado. Aos seus rogos dirigidos à Virgem
novo milagre se produziu e o filho ressuscitou. Os padres presentes, testemunhas
do facto e tomando conhecimento do que já se tinha passado, procederam segundo
as indicações recebidas. Desenterraram relíquias, a imagem e uma carta
explicativa das razões de se encontrar ali e qual a sua origem. Nasce então uma pequena ermida que, depois
da visita de Afonso XI, antes da batalha do Salado, em 1340,
foi por ele protegida e transformada em
grande centro de peregrinação, com mosteiro e instalações próprias, entregues,
em 1389, aos Jerónimos. Poderá ter sido a partir da batalha do Salado,
onde Espanhóis e Portugueses, durante o reinado de Afonso IV, lutaram lado a
lado como cruzados, e onde o rei português se empenhou pessoalmente, que o
culto da Virgem de Guadalupe tenha entrado a nossa fronteira». In Ana Maria Passos Parente, Ermida de Nossa
Senhora de Guadalupe na Raposeira, Excerto da dissertação de Mestrado de
História da Arte, Escultura Figurativa
na Arquitectura Religiosa do Algarve, na Baixa Idade Média, Lisboa,
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1987, Revista
Medievalista, director Luís Krus, Ano 1, Nº 1, Instituto de Estudos Medievais,
FCSH-UNL, FCT, 2005, ISSN 1646-740X.
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