«Deus não podia estar em todo o lado,
por isso criou as mães». In Provérbio Judaico
«No início de Sobre a bravura das mulheres, Plutarco
dá exemplos de diferenças entre mulheres com virtudes que no seu entender
seriam comparáveis às dos grandes homens gregos e romanos que descrevera nas Vidas paralelas. Para se referir a
Cornélia,
Plutarco escolhe dizer que a sua nobreza de espírito, dignidade generosa ou
confiança em si mesma, não se expressava de maneira idêntica à de Olímpia, mãe de
Alexandre Magno, indicando ser essa a qualidade que as unia. Imaginamos Olímpia
mais autoritária e Cornélia mais persuasiva, embora ambas nobres de espírito na
medida em que uma mulher podia sê-lo. A palavra magnanimidade, a megalopsichía, ou grande alma, uma das virtudes aristotélicas que caracterizavam homens
como Alexandre ou Júlio César, ou antes deles, Aquiles e Ájax, não aparece na
descrição destas mulheres. A elevação feminina surge descrita no ensaio moral de
Plutarco estando associada ao espírito e à mente: meglófron, grandeza da mente ou nobreza de princípios. A diferença é subtil,
mas vai ao encontro da ideia generalizada de que as mulheres não tinham alma,
embora houvesse de igual modo muitas dúvidas acerca das suas capacidades racionais
e espirituais. Desalmadas ou inimputáveis, todos os abusos seriam tolerados (e não
seriam considerados abusos) porque havia a convicção de que as mulheres estavam
mais próximas das crianças do que dos adultos. Plutarco, que escreve no primeiro
século da nossa era, é particularmente elogioso no seu ensaio moral sobre as mulheres,
sobretudo para a época, mas também num certo sentido para os tempos actuais. A comparação
é naturalmente lisonjeira para Cornélia e para os seus filhos,
equiparados por omissão a Alexandre Magno.
O poeta Juvenal tinha uma opinião
diferente. Autor de 16 poemas satíricos publicados em cinco livros, uma obra que
se crê ter sido escrita entre os anos 110 e 130 da nossa era, coincidentes
com os seus últimos de vida, Juvenal satirizou comportamentos viciosos e pessoas
da sociedade romana. O seu estilo retórico foi comparado ao do historiador Tácito
e a sua habilidade para construir versos hexâmetros foi louvada. Na célebre sátira
VI, na qual Juvenal faz uma crítica amarga às mulheres romanas, numa passagem em
que despreza os benefícios de casar com uma mulher perfeita, Cornélia
é alvo da sua análise desapiedada. Para Juvenal, tudo na virtuosa Cornélia
era antipático: os antepassados gloriosos, o conhecimento da língua grega, a abundância
reprodutora. Para esclarecer o quanto lhe desagradava uma mulher assim, o poeta
satírico escreveu que preferia mil vezes casar com uma prostituta a passar o resto
dos dias com Cornélia.
Cornélia era a mais nova
dos quatro filhos de Públio Cornélio Cipião Africano, o célebre general que derrotou
o inimigo mais temido de Roma, o cartaginês Aníbal, na Segunda Guerra Púnica,
na célebre batalha de Zama, em 202 a.C., e de Emília Paula, filha de
Lúcio Emílio Paulo, general romano, que Aníbal vencera na batalha de Canas,
em 216
a.C.. Cipião Africano é um dos heróis mais estimados e respeitados da história
de Roma. Dotado de uma inteligência invulgar, instruído e amante da civilização
grega, o general Públio Cornélio Cipião era um estratega minucioso e um líder sábio
com as suas tropas. A capacidade de persuasão de Cipião foi elogiada por historiadores
como uma característica que era própria de um homem sofisticado. As sucessivas vitórias
em Cartagena seriam o início de um caminho triunfal que terminaria em Zama, com
a vitória sobre Aníbal, que acabaria por se render. Com o triunfo em África, Cipião
recebeu o cognome Africano. Foi
eleito censor e líder do Senado, princeps
senatus, em 199, e de novo
eleito para um segundo consulado anos mais tarde. Acreditava que era protegido de
Júpiter e que o seu destino dependia da vontade divina. Não parece, no entanto,
ter demonstrado a vontade habitual de assumir o poder invocando a ascendência divina
em que acreditava. Cipião é nesta medida e noutras tão ou mais importantes uma excepção
nos ilustres heróis de Roma». In Carla Hilário Quevedo, As Mulheres Que
Fizeram Roma, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-688-2.
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