Príncipe
Umanizzato do Renascimento. Projecto educativo moderno
(…) Diogo Sousa, na sua
permanência em Itália, convive com Henrique Caiado, antigo aluno de
Cataldo e de Angelo Poliziano, o famoso poeta latino das Éclogas,
elogiado por Erasmo. Caiado trata o jovem prelado Diogo
Sousa como seu mecenas: dedica-lhe vários epigramas e, a 11 de Julho
de 1495, a Écloga I (nesta Écloga
I, surge o elogio da Florença de Savonarola, pouco conveniente, por ser seu
dedicatário Diogo Sousa, um diplomata do rei João II, com boas relações com a
família dos Médicis, que acabava de prestar homenagem ao papa Bórgia, Alexandre
VI, pai de César Bórgia; sem esquecer que Savonarola, pelas proporções que
tomou a sua pregação e o seu ideal de Renouatio Ecclesiae, iria
despertar a admiração de Lutero que pretende fazer dele um arauto da Reforma). Num
dos epigramas que lhe dirige por ocasião da sua partida de Roma para ascender à
cátedra episcopal portuense, Ad Iacobus Sousam Pontificem, em humilde
voz, faz uma prece a Deus, designado, à maneira clássica, com o atributo de Júpiter,
Tonans, para que o faça pastor do seu rebanho, o eleve ao pontificado: Interea
supplex humili rogo uoce Tonantem/ pastorem ut faciat te gregis ille sui (o
estilo laudatório, em que se percebe o jogo cortesão humanista, que
busca captar a atenção de um mecenas ou a protecção de uma família, adequa-se
todavia ao merecimento, à cultura, à posição na hierarquia social do elogiado,
ao carácter e personalidade da figura de Diogo Sousa).
Em 1505, integra Diogo Sousa uma outra embaixada, de homenagem e obediência
a Júlio II, em nome do rei Manuel I. Por ocasião da sua permanência em Roma, em
11 de Julho deste ano, foi nomeado arcebispo de Braga, por renúncia de
Jorge Costa, tinha então quarenta e quatro anos (é feito arcebispo por bula de
Júlio II, de 11 de Julho de 1505. Gil Vicente, no sermão
pregado, em 1506, ao muyto nobre Rey
Dom Manuel, na noite do nascimento do infante Luís, refere-se ao ir arcebispar
a Roma, quierome yr a Roma, quiero
aecebispar numa alusão, muito provável, a este acontecimento). Era o século
de ouro das cortes europeias e das cidades do Renascimento italiano que Diogo Sousa
conhecera em toda a sua grandeza! Era a época das embaixadas a Roma, que ele próprio
integrou, e das respectivas orações de obediência, que davam notícia ao
papa e ao auditório universal, que a Cúria romana então representava, das glórias
da nação lusa, na época dos Descobrimentos.
O rei Manuel I, o Venturoso, assistirá, no seu reinado,
à chegada de Vasco Gama à Índia, em 1498,
e, em 1500, à descoberta (?) do
Brasil. As descobertas e as conquistas do novo mundo, naquilo que de grandioso
e de exotismo encerravam, marcam toda uma geração de portugueses e também de
estrangeiros, a quem as notícias chegavam, a partir de Roma, ou também pelo
contacto directo com os nautas, em Lisboa ou na Flandres, ligadas por uma
carreira regular de naus, duas vezes por ano, desde 1502. Assim acontece com Thomas More na criação do português
Raphael Hithodeu, o herói da sua obra
de alcance universal, a Utopia,
publicada em Londres em 1516 (a obra
de Vespuccio, Paesi nuovamente retrouati. Nouo Mondo da Alberico Vesputio
Florentino intitulato (1507)
foi traduzida para latim com o título Itinerarium Portugallensium e Lusitania
in India et inde in Occidentem (1508).
Em Roma, desde os finais do Quattrocento,
eram habituais as celebrações, por parte da cúria romana, dos feitos dos
portugueses, que ganham universalidade pela luta contra os Turcos, um serviço prestado
à Cristandade, que as orações de obediência enalteciam acima de tudo (todas
estas orações, proferidas perante o papa, ou as cartas que lhe eram enviadas, a
dar notícias das descobertas e conquistas além-mar, desde o reinado de Afonso V
aos de João II e de Manuel I, retomam sempre o mesmo motivo, a guerra contra os
Turcos, a defesa e expansão da Fé cristã; os Turcos já não são só os do no
norte de África, mas os seguidores do Islão, nas paragens distantes do Índico e
do Mar Vermelho). Ficaram famosas, entre todas as embaixadas, a de 1481 em que foi orador Garcia Meneses,
a de Diogo Sousa, em 1505, e a de Tristão
Cunha, em 1514, sendo o discurso de
obediência destas últimas proferido por Diogo Pacheco (a embaixada de 1514
ficou conhecida pela pompa e exotismo da presença do elefante indiano, oferta
do nosso monarca ao Sumo Pontífice Leão X).
Na
oração de 1505, o orator regius faz
o elogio insistente da acção de Manuel I e do próprio rei mui prudente, justo e moderado Príncipe, o mais poderoso no nosso tempo
entre os principais da religião cristã; afirma que com a sagaz indústria de Manuel I, suas enormes despesas e seus mais
fervorosos cuidados, penetrámos na Índia [...] E não só costeámos a Índia e a
Etiópia, mas também as orlas marítimas do Golfo Arábico e do Golfo Pérsico e as
costas do Mar Roxo, e circundámos quase todo o orbe, podendo os cristãos esperar que em breve seja
abolida toda a perfídia e heresia maomética. Enaltece a gesta lusa, que
assume uma dimensão épica; inaugura a temática de uma Nova Idade do Ouro e, inspirando-se
no livro VI da Eneida, faz de
Júlio II um novo Augusto: Eis Júlio, que é
da raça dos deuses; ele recriará os séculos de oiro, e desde o Lácio, pelos
campos onde outrora reinou Saturno, estenderá o seu império para além dos
Garamantas e dos Índios». In Nair de Nazaré Castro, Soares, O Arcebispo de
Braga, Diogo Sousa, Principe Umanizzato do Renascimento. O seu projecto educativo
moderno, Revista Humanitas nº
LXIII, Universidade de Coimbra, 2011, ISSN 0871-1569.
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