domingo, 22 de novembro de 2015

Carlos Queirós. Poesia. A amizade de Fernando Pessoa. «Por ser tão calmo o teu sonhar que já é tempo de não ter esse rebanho de pascer, mas outro de amamentar... É que eu me perco no caminho do grande sonho sem janelas, de estar contigo no moinho…»

Cortesia de wikipedia

Pastoral
«Por ser tão leve o teu passar
na estrada, à tarde, quando vens
de pôr o gado que não tens,
a pastar...

Por ser tão brando o teu sorrir,
tão cheio de feliz regresso
do longo prado, onde apeteço
contigo ir...

Por ser tão breve o teu querer
alguém que perto de ti passe
e, porque a tarde cai, te abrace.
Sem nada te dizer...

Por ser tão calmo o teu sonhar
que já é tempo de não ter
esse rebanho de pascer,
mas outro de amamentar...

É que eu me perco no caminho
do grande sonho sem janelas,
de estar contigo no moinho,
sem o moleiro nem as velas».


Desaparecido
«Sempre que leio nos jornais:
‘de casa de seus pais desapareceu...’
Embora sejam outros os sinais,
suponho sempre que sou eu.

Eu, verdadeiramente jovem,
que por caminhos meus e naturais,
do meu veleiro, que ora os outros movem,
pudesse ser o próprio arrais.

Eu, que tentasse errado norte;
vencido, embora, por contrário vento,
mas desprezasse, consciente e forte,
o porto de arrependimento.

Eu, que pudesse, enfim, ser meu
livre o instinto, em vez de coagido,
‘de casa de seus pais desapareceu...’
Eu, o feliz desaparecido».
Poemas de Carlos Queirós, in ‘Veredas da Língua’

Cortesia de Veredas da Língua/JDACT