A Bastarda do rei Bravo
«(…) Do seu casamento
com a infanta dona Beatriz de Castela, teve Afonso IV (1291-1357) sete filhos,
quatro dos quais não terão sobrevivido ao primeiro ano de vida. Dos três restantes,
Pedro foi rei de Portugal; dona Maria, a primogénita, foi rainha de Castela; e dona
Leonor, que morreu com 20 anos, foi, por pouco tempo embora, rainha de Aragão. Fora
do seu casamento, afirmam alguns que D. Afonso IV não teve descendência, o que não
seria para estranhar num monarca que tanto se empenhou em tolher os usos e costumes que são contra a vontade de Deus e a prol [o bem]
comunal, combatendo especialmente os adultérios
com mulheres alheias e os homens
casados que tiverem barregãs. A estes chegou aliás a castigar com a pena de
morte. Sucede, porém, que o rei Bravo
foi, na opinião de autorizados genealogistas, o pai de uma dona Maria, ou Maria
Afonso, de Portugal, nascida em 1316
e falecida em 1384. Esta bastarda casou
com Fernando Afonso, senhor de Valência de Campos e grão-mestre da Ordem de Santiago,
que era bisneto do rei Afonso X da Castela, e deu-lhe
três filhos: João, marechal
de Castela, Pedro; e Fernando, monge na Ordem de São Jerónimo. Além desta bastarda,
disseram as más-línguas que Afonso IV também fora pai de uma criança nascida de
dona Violante Sanchez, outra bastarda real, filha do rei Sancho IV de Castela e
Leão e de dona Maria Alfonso Ucero. Mas nenhuma prova foi apresentada dessa relação
nem ninguém nomeou alguma vez este ou qualquer outro putativo bastardo do rei Bravo.
El-rei Bastardo
Em 1383 nas Cortes de Coimbra, João das Regras deu a entender que o
rei Pedro I, em toda a sua vida, só uma vez estivera bem casado: com dona Branca
de Castela, sua primeira mulher. Todos os casamentos que celebrara ou dizia ter
celebrado depois não eram válidos, porque esse primeiro matrimónio, tendo sido consumado,
nunca fora anulado e a infanta espanhola não morrera antes das outras esposas do
monarca. Daí resultava que todos os filhos do rei Cruel eram bastardos, e não valiam mais do que João, Mestre de Avis,
o filho que o rei Pedro I houvera fora dos seus casamentos. João das Regras
(o Doutor) era o melhor advogado da aclamação do Mestre como rei de Portugal. E,
por isso, dizem muitos, as suas palavras não deviam ser levadas a sério. Não deviam
pelo menos ser levadas à letra. É verdade. Mas verdade é também que a
história dos casamentos de Pedro I constitui ainda hoje um intrincado novelo muito
difícil de deslindar.
Sabe-se que a sua primeira
mulher foi, ou devia ter sido, a infanta dona Branca, filha de Pedro, regente de
Castela, e da princesa dona Maria de Aragão. Segundo uns, o casamento com a infanta
castelhana não chegou a realizar-se, tendo a noiva sido devolvida ao reino em
que nascera por ser apoucadinha de corpo e de espírito. Segundo outros, tratou-se de um casamento
celebrado mas não consumado. E há ainda quem defenda que esse casamento,
celebrado em 1325, foi consumado,
sendo o único casamento legítimo que o monarca celebrou. Em qualquer caso,
Pedro I voltou a casar em 1339, desta
feita com dona Constança Manuel, filha do príncipe de Vilhena e mulher do rei Afonso
XI de Castela. Este repudiara-a antes de consumar o matrimónio, para casar, três
anos depois, com a infanta dona Maria de Portugal, irmã mais velha de Pedro I.
Na sua companhia dona Constança Manuel trouxe dona Inês de Castro, uma
dama galega por quem o infante Pedro logo se perdeu de amores e que se tornou sua
amante. O monarca víria a casar com ela após a morte da sua segunda mulher,
ocorrida em 1349. Mas, segundo o próprio
infante Pedro e futuro rei Pedro I dirá, este seu casamento foi secreto, pelo muito
medo que tinha de seu pai, tendo-se realizado em dia de que ele não se lembrava, no ano de 1350. Esta declaração, feita em Cantanhede,
em Junho de 1360, levantou, desde
sempre, as maiores dúvidas, e a Igreja nunca aceitou que Pedro tivesse alguma vez casado com dona Inês de Castro. Até porque
seria, em qualquer caso, um casamento ilegítimo: dona Inês era prima de Pedro, já que ambos eram netos de Sancho
IV, o Bravo, rei de Castela; e era, além
disso, sua comadre, por ter sido madrinha do infante Luís, filho primogénito de
Pedro e de dona Constança, que morreu menino». In Isabel Lencastre, Bastardos
Reais, Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal, Oficina do Livro, 2012, ISBN
978-989-555-845-2.
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