quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Poesia. Carlos Oliveira. Jorge de Sena. «O corpo sonoro e a medida rítmica de cada palavra, como se cada palavra… Não é frequente na literatura este dialogo com a música, feito não apenas de temas mas de dentro da linguagem, musical e verbal»

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Descrição da guerra em Guernica
«O pássaro; a sua anatomia
rápida; forma cheia de pressa,
que se condensa
apenas o bastante
para ser visível no céu,
sem o ferir;
modelo doutros voos: nuvens;
e vento leve, folhas;
agora, atónito, abre as asas
no deserto da mesa;
tenta gritar às falsas aves
que a morte é diferente:
cruzar o céu com a suavidade
dum rumor e sumir-se».
Poema de Carlos Oliveira (1921-1981), in ‘Os Poemas da Minha Vida

A Morte de Isolda
«Nesta fluidez contínua de um tecido vivo
que se distende arfando como um longo sexo
viscosamente se enrolando em torno ao mundo
que não penetra mas ansiosamente
estrangula em húmidos anéis
fosforescentes de ansiedade doce
e resignada à morte
em roncos e estridências lacrimosas,
palpita a frustração do amor maldito
porque de um filtro só nasceu.

Por mais que de crescendos delirantes
se evolem as volutas de uma chama ambígua,
nesta fluidez sem tempo não há gozo algum,
mas o prazer remoto do que não foi vivido
senão como entressonho e fatal gesto;
e mesmo este balanço largamente harmónico
que se exaspera e expira em tão agudas posses
é cópula mental.

Nesta doçura que ao silêncio imóvel
acaba retornando, não há uma paz dos rostos que se pousam
enquanto os sexos se demoram penetrados
no puro e tão tranquilo esgotamento da chegada
que só ternura torna simultânea.
Não há, mas só tristeza infinda e fina
e tão terrível de que, estrangulado,
o amor no mundo é morte impenetrável: dois
seres que o sexo destruiu,
estéreis como o sopro da serpente eterna.

Fica-nos o gosto da piedade.
E uma vontade de enterrá-los juntos
p'ra que talvez na morte, imaginada, se conheçam
melhor do que se amaram. E também o ardor
de uma impotência que se quis só sexo
virgem demais para um amor da vida».
Poema de Jorge de Sena (1919-1978), in ‘Maria Alzira Seixo

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