«(…) Por esta razão o enviado real na última audiência com o
imperador, para que fiquem claros os objectivos da missão, enfatiza a promessa
imperial feita no primeiro encontro, dizendo a Yongzheng que comunicaria ao rei
de Portugal: de que S. Mag.de Imperial tratava os Europeos do mesmo modo que o
Imperador seu Pay, e que como este tinha expecial cuidado de favoresser aos
moradores de Macau, esperava eu que tambem o actual Imperador lhe fizesse o
mesmo favor, recomendando-os aos Men.os de Cantam. Metelo refere que a estas
palavras não respondeu o Imperador, e ainda que alguns dizem que elle asenara
com a cabeça, que sim, eu não reparey nesta acção. E a história confirma que o
imperador não anuiu perante a afirmação de Metelo que pedia protecção para os
macaenses e os outros portugueses presentes na China. A reticência imperial
nasce sobretudo do facto de Yongzheng ter percebido que a situação mercantil
estava extremamente comprometida com a realidade religiosa. O monarca chinês
intuiu que na cultura portuguesa daquela época, política, economia e religião
não se podiam facilmente separar: pertenciam todos a uma realidade complexa que
se tinha instaurado de maneira unitária dentro do seu país. Ainda que o assunto
da afirmação da catolicidade, pela extrema delicadeza que revestia e o melindroso
confronto que apresentava, tivesse sido guardado sob prudente segredo o Filho do
Céu era, sem dúvida, bem cônscio do facto de um dos interesses de João V que tinha
feito do padroado católico português o seu baluarte religioso e político, era defender
a presença dos cristãos portugueses no velho império: ele, em 9 de Julho, depois
da primeira audiência, manda ao embaixador três mandarins para lhe dizer que o legado
podia hir ver as Igrejas se [lhe] parecesse.
A corte imperial conhecia, portanto, a identidade explicitamenre
católica da Coroa. Na carta de l8 de Dezembro de 1727, Metelo explica abertamente que o Imperador queria evitar audiencias,
por reciar que eu lhe falasse na materia da missão, e talvez que entendesse lhe
queria eu pedir pelo padre Mourão por entender-me não constava da sua morte. E sabemos
que os temores de Yongzheng eram bem justificados. Por isso, o imperador, percebendo
a atitude de João V, acusa explicitamente Parrenin e os católicos em geral de querer
manipular a religiosidade chinesa, modificar os antigos usos sínicos e introduzir
conceitos que podiam minar a paz no território oriental: que faria o Papa, e os
outros Reynos da Europa, se eu lhe mandasse Bonzos, e Lamás rogando-os lhe dessem ajuda para introduzirem a sua Religião?.
Portanto, conhecendo a atitude fortemente anticristã do novo
imperador, a Coroa considerava o problema da missionação e do jus patronatus estreitamente ligado a esta
como um dado encoberto a não desvelar. O embaixador devia com habilidade
aflorar o tema sem o abordar concreta e directamente: segundo as ordens que trago,
sabia não era occazião oportuna de fallar na materia [da missionação]. Nas cartas
que Metelo pediu aos missionários para que eles lhe dessem conselhos sobre o
tipo de argumentos a tratar com o imperador, nenhum dos padres se atreveu a declarar
que o embaixador tinha o dever de defender com força, perante Yongzheng, a fé católica.
Logo em Macau, escreve o mesmo embaixador, me presentião de certificar os missionários,
que o meio para comseguir algum alivio a misão da China, hera somente formarem os
Chinas conseito de que seu Emperador se guardava daquella Embaxada, porque este
agrado comprienderia todos os Europeos, e em consecoemsia delle serião os Mesionarios
mais bem tratados dos Mandarins, e povo da China; porem que de nenhuma sorte comvinha
fallar ao Emperador em revogar o seu decreto, porque suposto tinha sido
expedido em consulta do tribunal dos ritos, por huma conta que tinha dado o
Sumtó de Foquiem, me dizião que esta conta do Sumtó fora primeiro emsinuada da Corte,
pella má vontade que o Emperador tinha aos Europeos.
Se de facto, verbalmente, podia existir algum jesuíta que favorecesse
a intervenção directa perante o imperador, no momento de pôr as palavras por escrito
todos mostram incerteza, medo e temor: as cartas são actos públicos ou que se podem
tornar como tais; e situação começa a ser arriscada devido à perseguição e a comunidade
cristã encontra-se perturbada; a documentação, toda assinada, podia chegar às mãos
do imperador que não tinha hesitado, poucos dias antes da chegada de Metelo, em
mandar matar o padrão Mourão. São estas só algumas das muitas razões que poderíamos
aduzir para um velado silêncio eclesial que inibiu uma intervenção directa. E Merelo
sai, portanto, justificado da sua atitude pouco explícita, mas confortado pelas
suas decisões, livre de eventuais escrúpulos: vendo que os Missionarios que devião
pelas suas experiências mostrarme os caminhos erão os mesmos, que me impedião os
passos com os seus vottos. e com as ponderações que fazião do evidente risco que
me perpunhão». In Mariagrazia Russo, Embaixada de D. João V de Portugal ao Imperador
Yongheng, da China, 1725-1728, Fundação Oriente, 2005, António V. Saldanha,
2005, ISBN 972-785-083-9.
Cortesia de F. Oriente/JDACT