segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Embaixada de D. João V de Portugal ao Imperador Yongheng, da China, 1725-1728. «Nas cartas que Metelo pediu aos missionários para que eles lhe dessem conselhos sobre o tipo de argumentos a tratar com o imperador, nenhum dos padres se atreveu a declarar que o embaixador tinha o dever de defender com força…»

jdact e wikipedia

«(…) Por esta razão o enviado real na última audiência com o imperador, para que fiquem claros os objectivos da missão, enfatiza a promessa imperial feita no primeiro encontro, dizendo a Yongzheng que comunicaria ao rei de Portugal: de que S. Mag.de Imperial tratava os Europeos do mesmo modo que o Imperador seu Pay, e que como este tinha expecial cuidado de favoresser aos moradores de Macau, esperava eu que tambem o actual Imperador lhe fizesse o mesmo favor, recomendando-os aos Men.os de Cantam. Metelo refere que a estas palavras não respondeu o Imperador, e ainda que alguns dizem que elle asenara com a cabeça, que sim, eu não reparey nesta acção. E a história confirma que o imperador não anuiu perante a afirmação de Metelo que pedia protecção para os macaenses e os outros portugueses presentes na China. A reticência imperial nasce sobretudo do facto de Yongzheng ter percebido que a situação mercantil estava extremamente comprometida com a realidade religiosa. O monarca chinês intuiu que na cultura portuguesa daquela época, política, economia e religião não se podiam facilmente separar: pertenciam todos a uma realidade complexa que se tinha instaurado de maneira unitária dentro do seu país. Ainda que o assunto da afirmação da catolicidade, pela extrema delicadeza que revestia e o melindroso confronto que apresentava, tivesse sido guardado sob prudente segredo o Filho do Céu era, sem dúvida, bem cônscio do facto de um dos interesses de João V que tinha feito do padroado católico português o seu baluarte religioso e político, era defender a presença dos cristãos portugueses no velho império: ele, em 9 de Julho, depois da primeira audiência, manda ao embaixador três mandarins para lhe dizer que o legado podia hir ver as Igrejas se [lhe] parecesse.
A corte imperial conhecia, portanto, a identidade explicitamenre católica da Coroa. Na carta de l8 de Dezembro de 1727, Metelo explica abertamente que o Imperador queria evitar audiencias, por reciar que eu lhe falasse na materia da missão, e talvez que entendesse lhe queria eu pedir pelo padre Mourão por entender-me não constava da sua morte. E sabemos que os temores de Yongzheng eram bem justificados. Por isso, o imperador, percebendo a atitude de João V, acusa explicitamente Parrenin e os católicos em geral de querer manipular a religiosidade chinesa, modificar os antigos usos sínicos e introduzir conceitos que podiam minar a paz no território oriental: que faria o Papa, e os outros Reynos da Europa, se eu lhe mandasse Bonzos, e Lamás rogando-os lhe dessem ajuda para introduzirem a sua Religião?.
Portanto, conhecendo a atitude fortemente anticristã do novo imperador, a Coroa considerava o problema da missionação e do jus patronatus estreitamente ligado a esta como um dado encoberto a não desvelar. O embaixador devia com habilidade aflorar o tema sem o abordar concreta e directamente: segundo as ordens que trago, sabia não era occazião oportuna de fallar na materia [da missionação]. Nas cartas que Metelo pediu aos missionários para que eles lhe dessem conselhos sobre o tipo de argumentos a tratar com o imperador, nenhum dos padres se atreveu a declarar que o embaixador tinha o dever de defender com força, perante Yongzheng, a fé católica. Logo em Macau, escreve o mesmo embaixador, me presentião de certificar os missionários, que o meio para comseguir algum alivio a misão da China, hera somente formarem os Chinas conseito de que seu Emperador se guardava daquella Embaxada, porque este agrado comprienderia todos os Europeos, e em consecoemsia delle serião os Mesionarios mais bem tratados dos Mandarins, e povo da China; porem que de nenhuma sorte comvinha fallar ao Emperador em revogar o seu decreto, porque suposto tinha sido expedido em consulta do tribunal dos ritos, por huma conta que tinha dado o Sumtó de Foquiem, me dizião que esta conta do Sumtó fora primeiro emsinuada da Corte, pella má vontade que o Emperador tinha aos Europeos.
Se de facto, verbalmente, podia existir algum jesuíta que favorecesse a intervenção directa perante o imperador, no momento de pôr as palavras por escrito todos mostram incerteza, medo e temor: as cartas são actos públicos ou que se podem tornar como tais; e situação começa a ser arriscada devido à perseguição e a comunidade cristã encontra-se perturbada; a documentação, toda assinada, podia chegar às mãos do imperador que não tinha hesitado, poucos dias antes da chegada de Metelo, em mandar matar o padrão Mourão. São estas só algumas das muitas razões que poderíamos aduzir para um velado silêncio eclesial que inibiu uma intervenção directa. E Merelo sai, portanto, justificado da sua atitude pouco explícita, mas confortado pelas suas decisões, livre de eventuais escrúpulos: vendo que os Missionarios que devião pelas suas experiências mostrarme os caminhos erão os mesmos, que me impedião os passos com os seus vottos. e com as ponderações que fazião do evidente risco que me perpunhão». In Mariagrazia Russo, Embaixada de D. João V de Portugal ao Imperador Yongheng, da China, 1725-1728, Fundação Oriente, 2005, António V. Saldanha, 2005, ISBN 972-785-083-9.

Cortesia de F. Oriente/JDACT