O
cerco a Lima
«(…) A Lima, onde Inés Huaylas
amamentava a filha, iam chegando rumores daqueles problemas nos Andes. A
azáfama e a animação da nova capital afastavam-na ainda mais do Cuzco, pois o
eco dos embates políticos desta região chegava a Lima transformado num simples
murmúrio. Pizarro voltou ao litoral convencido de que tudo voltaria à normalidade.
O Cuzco recuperaria a sua rotina, pairando acima da realidade como as damas da
classe dirigente inca, com os cabelos negros beijando-lhes os ombros,
transportadas pela cidade em padiolas e liteiras, alheias ao inconveniente de
representarem um poder fictício. Os membros das classes inferiores, envoltos
nas suas mantas e gibões de lã de camelídeo andino, continuariam ocupados com
as suas tarefas agrícolas ou servis, quando não com a extracção de ouro ou com
a construção de edifícios para os seus novos amos. E estes, já sem a presença
perturbadora de Almagro, continuariam a imprimir a sua personalidade, sob a
forma da mestiçagem, na cidade conquistada. Mas não foi assim, pois a
normalidade teimou em fazer-se esperar. Os irmãos Juan e Gonzalo demoraram
pouco a encontrar boas bases para os rumores que lhes chegavam aos ouvidos
sobre as intenções revoltosas de Manco II, pelo que retomaram as visitas.
Temos
conhecimento de que conspiras contra nós!, acusou Juan, encarando-o, com o
irmão atrás de si. O governador mandou-nos prender-te, como fizemos com o teu
irmão Atahualpa. O que é que eu vos fiz? É dessa forma que pretendeis
retribuir-me pelos serviços que vos prestei?! É assim que me agradeceis por vos
ter recebido na minha própria terra e vos ter dado tudo o que me pedistes?! Sabemos
que conspiras contra nós e vamos castigar-te! Ides prender-me como a um cão, a
mim, que tanto fiz por vós?! Que provas estás disposto a dar-nos da tua
obediência? Até onde estás disposto a ir para provares que não andas a
conspirar contra nós? Mais provas? As que desejeis! Ouro? Prata? O inca
apressou-se a reunir duzentos e quinze mil marcos de ouro e cento e cinquenta
mil de prata em grandes sacas, com o que apenas adiou o seu cativeiro por três
meses. Findo este prazo, recebeu nova visita. Agora queremos uma das tuas mulheres:
Inquill Túpac Yupanqui.
Nada o livrou das correntes. E
mesmo com elas postas, continuou a receber visitas dos irmãos, que ora o vexavam
ora o presenteavam com lisonjas zombeteiras, para melhor sublinharem a sua condição.
Alguém te ofendeu? Não o toleraremos!, exclamavam, diante do índio acorrentado.
Compreendendo a precariedade do equilíbrio político e militar, e mediante a
torrente de notícias sobre estas tensões, Pizarro ia enviando mensagens de
Lima, em que pedia comedimento aos irmãos. Mas nem um nem os outros sabiam, em
Outubro, que um desertor da expedição de Almagro havia voltado ao Cuzco
dissimuladamente e que essa personagem solitária levava, na cabeça, ideias multitudinárias.
Com a permissão de vossa alteza, soltar-vos-ei e, em pouco tempo, acabarei com
os barbudos, prometeu certa noite, ao inca, o sumo-sacerdote e seu estratega militar,
Villac Umu, pouco tempo depois de ter abandonado o exército de Almagro e retornado
ao Cuzco. Para faiar com Manco II, a quem eram permitidas visitas, Villac teve
de se disfarçar.
Deu-lhe argumentos para se revoltar,
mas não eram os argumentos de que Manco precisava naquele momento, em que Juan e
Gonzalo se tinham apropriado de duas das suas mulheres, incluindo a imperatriz,
que era, como mandava a tradição, simultaneamente sua irmã e a sua primeira esposa.
O pacto tácito de manutenção das aparências para dissimular a submissão fora quebrado,
e Manco não precisava que ninguém lhe explicasse esta realidade. Porém, não estava
seguro do resultado da iniciativa, mesmo tendo o sumo-sacerdote suficiente capacidade
de adivinhação para antever os acontecimentos. Villac Umu explicou-lhe que, com
os cem mil homens disponíveis e o ânimo da sua gente, que tinha sondado discretamente,
em diversos pontos do território, o impossível tornar-se-ia possível. Para estimular
a confiança do inca, assegurou-lhe que tinha conseguido acabar com Almagro durante
a expedição ao Chile e derrotar, sem dificuldade, a sua cavalaria e os seus soldados».
In
Álvaro Vargas Llosa, A Primeira Mestiça, 2004, tradução de Luís Coutinho, Saída
de Emergência, 2013, ISBN 978-989-637-503-4.
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