segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

500 anos de Contactos Luso-Chineses. Fernando Correia de Oliveira. «Uma carta de Fernão Mendes Pinto datada de 20 de Novembro de 1555 é o primeiro documento em português escrito em Macau»

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Finalmente, um pé em terra
«(…) Finalmente, e segundo as fontes chinesas da época, o facto de os portugueses conseguirem trazer para comerciar uma mercadoria raríssima e muito apreciada pelo imperador, em Beijing, o âmbar cinzento (obtido no Sueste Asiático), seria outro dos factores que abriram as portas ao comércio e mesmo à instalação em terra. Marginal à coroa portuguesa (que nesse ano de 1557 via morrer João III e aparecer no horizonte um  Sebastião ainda criança), ao Estado da Índia e aos imperadores, em Beijing, que durante muitos anos a desconheceram, a realidade de Macau iria impor-se. Até hoje.

Fernão Mendes Pinto e a China
Foi uma vida aventurosa. Pelas suas próprias palavras, foi vendido 16 vezes, feito escravo 13 e naufragou outras cinco. Fernão Mendes Pinto terá nascido em Montemor-o-Velho, por volta dos anos de 1509, 1511 ou mesmo 1514, no seio de uma famí1ia pobre. Em Dezembro de 1521, é trazido por um tio para Lisboa, nessa altura com 60 mil habitantes e o centro de um reino dependente dos seus rendimentos do comércio com a Ásia e a África (65 por cento), assolado por pestes e fomes e pelo fundamentalismo religioso da Inquisição. Em 1523, o jovem Fernão Mendes Pinto vive em Setúbal, ao serviço da casa do fidalgo Francisco Faria. e a partir de 1527 é moço de câmara na casa de Jorge, mestre de Santiago e filho bastardo de João II. Em 11 de Março de 1537, parte para a Ásia, numa armada de cinco naus comandada por Pedro Silva. Ia ao encontro de uma Ásia imensa e rica, habitada por 250 milhões de pessoas, sede de civilizações muito mais avançadas, em muitos aspectos, do que a europeia. Nesse mar de gentes e riquezas, uns escassos cinco mil portugueses, munidos da superioridade técnica militar (canhões), chegavam para controlar a maioria dos circuitos comerciais e estabelecer feitorias-fortalezas ao longo das costas do Índico e do Pacífico.
Nos primeiros anos, Fernão terá vivido como soldado, no Indico Ocidental (Goa, Diu, Ormuz), a partir de 1539 em Malaca e. até 1557, como mercador, sobretudo no Sueste Asiático (zonas de Patane, Sião, Pegu) e na Ásia Oriental (litorais da China e do Japão). Uma exposição dedicada a Fernão Mendes Pinto e os Mares da China esteve recentemente patente nas instalações da Missão de Macau, em Lisboa. Comissariada pelo historiador Luís Filipe Barreto, ela deu azo a um catálogo com texto de sua autoria. A vida de mercador aventureiro de Fernão Mendes Pinto deve ter começado por volta dos anos de 1539-40. É então enviado pelo capitão de Malaca, Pêro Faria, ao rei de Aru, em Samatra, e a Patane, na costa oriental da Península Malaia e Sião, na companhia de António Faria, escreve o historiador. Patane, tributária do Sião/Aiuthia, era um porto estratégico para os mercadores malaios e chineses e uma zona de produção de pimenta. A China consumia cerca de 75 por cento da pimenta do Sueste Asiático. Em Patane concentravam-se 300 portugueses ligados ao comércio privado da pimenta. cravo, maça, noz-moscada, âmbar, têxteis indianos de algodão, sedas, porcelanas, cânfora, almíscar, pau-da-china, ruibarbo, metais preciosos, moeda e armas de fogo. Entre 1541 e 1543, o nosso aventureiro vive em Martabão, no reino de Pegu, servindo no exército do rei da Birmânia. O mais tardar em 1543, Fernão Mendes Pinto vai, pela primeira vez, à China e integra-se nas redes de comércio entre o Sião, Pegu, a China e o Japão. Os portugueses começam a fazer comércio em Macau por volta de 1535, e a residir aí por volta de 1557. Uma carta de Fernão Mendes Pinto datada de 20 de Novembro de 1555 é o primeiro documento em português escrito em Macau». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de FOriente/JDACT