Sobre a negação do apoio de João II ao projecto de Colombo
«(…) De acordo com o que Colombo escreveu no seu diário no dia 9 de
Março de 1493 João II recebeu-o
bem mas que entendia que en la
capitulaçion que havia entre los reys e el que aquella conquista le pertencia.
A lo qual respondió el almirante que no avia visto la capitulaçion ni sabia outra
cosa, sino que los reys le avían mandado que no fuesse a la Mina ni en
toda Guinea. Fernando
Colombo e Bartolomeu Las Casas souberam que Colombo não foi apoiado por João II
alegando que lhe apresentara exigências excessivas, quer no pedido do
financiamento da coroa para a realização da sua viagem, quer na solicitação de
grandes honrarias como recompensa do esperado sucesso do seu empreendimento.
Temos de reconhecer que as promessas de doacção das terras descobertas dadas
por João II estavam longe de poderem corresponder às exigências feitas por Colombo
aos Reis Católicos em Santa Fé em 1492.
Na conjuntura em que João II recusou apoio a Colombo autorizou a realização de uma
viagem para ocidente a Fernão Domingues Arco, morador na ilha da Madeira,
prometendo-lhe a 30 de Junho de 1484
a doacção de uma ilha que ora vai buscar, isto é, estaria na iminência
de iniciar uma viagem de descobrimento. Colombo referiu-se a essa intenção de
descobrimento no seu diário da primeira viagem no dia 9 de Agosto de 1492 ao escrever que se acuerda que estando en Portugal el ano de
1484 vino uno de la madera al rey a le pedir una caravela para ir a esta tierra
que via, el qual jurava que cada año la via y siempre de una manera.
Foi contra o apoio dado
pelo rei a Fernão Domingues Arco que Fernando Colombo e Las Casas se referiram
ao indicarem que Colombo se teria mostrado muito irritado com tal atitude, pois
alegaram que ele teria mandado fazer uma exploração secreta do Atlântico para
encontrar terras a ocidente que o genovês se tinha proposto encontrar. Ora,
nem a realização da tal viagem está atestada como tendo sido realizada nem o
está a irritação de Colombo, como o revela a circunstância de antes de 20
de Março de 1488 ter pedido a
João II um salvo-conduto para regressar a Portugal, o qual lhe foi concedido
nesta data com palavras de muito apreço. Depois de Colombo ter apresentado o
seu projecto descobridor aos Reis Católicos, que também o recusaram, ele talvez
voltasse a ter esperança em 1488 de
que João II reconsiderasse a sua posição anterior e ainda pudesse alcançar
êxito em Portugal no empreendimento com que sonhava, depois de ter sabido de
outros malogros portugueses. Com efeito o monarca português confrontara-se em 1486 com o insucesso da segunda viagem
de Diogo Cão, que não descobrira a almejada passagem para o Oceano Índico, e em
Março de 1487 com a não realização
da planeada viagem de Dulmo para ocidente. Por outro lado, Colombo sabia que em
1488 ainda não havia notícia dos
resultados da viagem de Bartolomeu Dias iniciada em Agosto de 1487, pelo que foi neste contexto pedir
autorização a João II para regressar a Portugal, acto que o rei português autorizou.
A possibilidade de Colombo ter voltado a Portugal na sequência desta
autorização é de aceitar tendo em conta a verosimilhança de ser da sua
autoria o seguinte texto:
«Apóstila de Colombo sobre
Bartolomeu Dias no seu exemplar da Imago mundi
Nota quod hoc anno de
88, in mense decembri apulit in Ulixbona Bartholomeus Didacus, capitaneus trium
carauelarum, quem miserat serenissimus rex Portugalie in Guinea ad temtandum
terram. […]»
Tradução portuguesa
«Nota que neste ano de
88, no mês de dezembro, atracou em Lisboa Bartolomeu Dias, capitão de três
caravelas, que o sereníssimo rei de Portugal tinha mandado à Guiné a tentear a
terra. E anunciou ao próprio sereníssimo rei como navegara para além do já
navegado 600 (sic) léguas, quer dizer,450 ao sul e 250 ao norte, até um
promontório por ele chamado cabo de Boa Esperança, que supomos em Agesimba. E
achou que neste lugar distava pelo astrolábio da linha equinocial 45 graus; o
lugar mais remoto dista de Lisboa 3100 léguas. Desenhou esta viagem e
descreveu-a légua a légua em uma carta de marear para a apresentar diante dos
olhos do sereníssimo rei. Em tudo estive presente. Isto concorda com as palavras
de Marino, que Ptolomeu emenda acerca da viagem aos Garamantes, o qual disse
que percorreram para além da equinocial 27500 estádios, o que Ptolomeu impugna
e emenda».
In José Manuel Garcia, D. João II
vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012,
Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
Cortesia de
Quidnovi/JDACT