quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Introdução a Bernardim Ribeiro. Teresa Amado. «Não tendo nunca conseguido dissolver a sensação de estranheza que me causa a ‘Menina e Moça’ e escapar ao sentimento de um certo fracasso na tentativa de a perceber…»

jdact

O que se sabe sobre Bernardim Ribeiro
«Não existe nenhum documento de interesse biográfico sobre Berrnardim Ribeiro. Crê-se que nasceu na vila do Torrão, no Alentejo, por uma alusão que assim pode ser interpretada numa das suas éclogas. É certo que frequentou a corte onde foi poeta conhecido, pois figura entre os colaboradores do Cancioneiro Geral, de Garcia Resende (a menos que esse Bernardim Ribeiro não fosse o mesmo que escreveu a Menina e Moça…), e Sá Miranda refere-se-lhe em obras suas como amigo e companheiro de letras e, com as suas éclogas, introdutor do bucolismo em Portugal. A partir da data da publicação do Cancioneiro Geral, 1516, pode conjecturar-se que nasceu na última ou penúltima década do século anterior. Quanto à data da sua morte, se a cópia da Menina e Moça contida no manuscrito conhecido como de Eugenio Asensio é de facto anterior a 1543, como ele supõe, e atendendo à quase certeza que se pode deduzir do estado do texto e da adenda que ele traz, de que o autor morrera alguns anos antes, deverá situar-se próxima de 1540, ou até 1536.
É tudo. A viagem a Itália com Sá Miranda é duvidosa, como duvidosa é a identificação deste Bernardim Ribeiro com contemporâneos seus desse nome, de quem há referências. Provadas como falsas estão todas as invenções que se têm escrito sobre a identidade, ocupações, amores e doenças. As datas em que foram escritas as suas obras são igualmente desconhecidas. As 12 poesias que lhe são atribuídas no Cancioneiro Geral, anteriores a 1516, e a Écloga III, aparecida em folha volante com a data de 1536, são provavelmente as únicas cuja publicação se fez antes de o poeta morrer. A Menina e Moça é seguramente dos últimos anos da sua vida. A inexistência de mais dados sobre o autor dum conjunto de obras que tiveram indubitavelmente reconhecimento público (três edições no espaço de seis anos, cerca de quinze anos após a sua morte, numa época em que a impressão de obras portuguesas não era frequente) não se explica facilmente: A) doze poesias menores incluídas no Cancioneiro Geral sob o nome de Bernardim Ribeiro; B) Menina e Moça, em prosa, incluindo três composições em verso, o vilancete Pera tudo houve remédio, a cantiga à maneira de solau Pensando-vos estou, filha e o romance de Avalor; C) cinco Éclogas; D) sextina Ontem pôs-se o sol e a noute; E) romance Ao longo de üa ribeira; F) duas cantigas e outras composições curtas incluídas na edição de Ferrara.
Todas estas obras, com excepção das incluídas no Cancioneiro Geral e do romance Ao longo de üa ribeira, apareceram publicadas com indicação expressa de autoria na edição de Ferrara, em 1554, a cargo de Abraão Usque, na edição de Évora (com excepção das mencionadas em último lugar) em 1557, a cargo de de André Burgos, na edição de Colónia, cópia da de Ferrara, em 1559, a cargo de A. Birckmann. O romance Ao longo de üa ribeira, única composição portuguesa inserida no cancioneiro castelhano de 1550 (segundo Carolina Michaelis), só apareceu com as obras completas do poeta na edição de 1645. […]
Não tendo nunca conseguido dissolver a sensação de estranheza que me causa a Menina e Moça e escapar ao sentimento de um certo fracasso na tentativa de a perceber, não me é possível propor uma leitura no sentido de interpretação globalizante, capaz de integrar todos os elementos da novela e capaz de a integrar num quadro cultural definido. Se esta reacção corresponde a uma situação de facto, é possível que nunca venha a ser alterada, isto é, que a novela de Bernardim esteja destinada a permanecer misteriosa e a originar periodicamente apaixonadas e mais ou menos convincentes tentativas de interpretação. Mas admito que a investigação de manuscritos e edições progrida e que o conhecimento da época de Bernardim se alargue ao ponto de permitir chegar conclusões mais fundamentadas e cabais. O que tenho a apresentar são algimas notas de leitura e, por minha vez, algumas hipóteses. […]» In Teresa Amado, Introdução a Bernardim Ribeiro (excerto), Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, colecção Textos Literários (Maria Alzira Aleixo, Lisboa, Editorial Comunicação, 1984, Fundação Calouste Gulbenkian, Halp 13, 2000.

Cortesia da FCGulbenkian/JDACT