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Como foi feita a aprendizagem da ciência náutica?
«(…) Até ao século XV, o horizonte náutico da Europa estava limitado ao
Mediterrâneo, ao norte da Europa e ao sul de Marrocos. Para um piloto era
suficiente, portanto, munir-se de bússola e de uma carta-portulano, isto
é, uma carta / mapa onde constavam, não as coordenadas geográficas, latitude e
longitude, mas sim os rumos de navegação. Como esta era feita com bússola,
bastava seguir a rota traçada, consoante o porto onde se encontrasse e o de
destino, calculando as milhas a percorrer na viagem; por isso se chamava navegação
por rumo e estima. Como se navegava à vista de terra e nunca se passava
muito tempo sem vista dela, o piloto corrigia eventuais desvios da rota com
alguma facilidade. As correntes e os ventos eram conhecidos, o que minimizava o
risco de acidentes e de naufrágios. O cabo Bojador marcava o limite do
conhecimento náutico, ou seja, não se sabia que ventos e correntes existiriam a
partir dali e não havia registos nas cartas ou informações sobre profundidades,
baixios, recifes ou outros acidentes da costa. Os portugueses passaram-no sem
grandes dificuldades mas, à medida que avançavam para sul, perceberam que sopravam
ventos em sentido desfavorável que dificultavam o regresso. Havia, portanto,
que encontrar uma solução, que acabou por ser a adaptação de um navio de
origem árabe, a caravela, às
necessidades práticas: dispondo de uma vela triangular, este tipo de navio
permitia bolinar, ou seja, avançar mesmo que o vento não fosse
favorável, manobrando em ziguezague.
Esta solução foi suficiente durante algum tempo. Mas o regresso era
cada vez mais lento e difícil, uma vez que obrigava o piloto às manobras de bolina,
isto é, a virar constantemente de rumo para poder avançar. A certa altura,
tornou-se impraticável, já que as distâncias a percorrer eram cada vez maiores.
Porque não encontrar um modo de aproveitar integralmente o vento, em vez de
procurar contrariá-lo? Mas isso forçaria o navio a afastar-se da costa e a
perder-se no mar alto, a menos que se encontrasse um modo de determinar com
rigor a localização do navio e o rumo a tomar; no mar alto, as estrelas e o Sol
eram as únicas referências possíveis, portanto, esse modo teria de guiar-se por
eles: é isto a navegação astronómica, cujos primeiros passos foram dados
pelos homens do infante Henrique e cujo mérito lhes cabe inteiramente a eles,
marinheiros e pilotos, e não a qualquer junta de sábios estrangeiros
reunida em Sagres. A navegação astronómica percorreu um longo caminho de prática
e aperfeiçoamento, desde as primeiras décadas do século XV até ao século XVIII,
quando o último dos problemas fundamentais, o
cálculo rigoroso da longitude, foi finalmente resolvido. A orientação pelos
astros não era uma coisa nova; desde há muito que se sabia que certas estrelas
apontavam em determinadas direções. A Estrela Polar indica o Norte e, aos
poucos, percebeu-se que a altura da estrela acima do horizonte era tanto
maior quanto a distância a que o observador se encontrasse do equador, ou
seja, equivale a uma latitude; a
leitura de várias alturas da Polar dava latitudes distintas, cada uma delas
correspondente a uma determinada região na costa africana.
Com a sistematização das informações recolhidas e com um instrumento
simples, o quadrante, era possível aplicar os conhecimentos astronómicos
às rotinas de navegação. Gradualmente, estes cálculos tornaram-se mais
rigorosos e fiáveis, e foram encontradas várias formas de corrigir erros de
leitura, por exemplo, decorrentes das variações da própria Estrela Polar
consoante a hora da noite. A súmula destes conhecimentos práticos era então
registada em regimentos, espécie de manuais de utilização e guias de
instrução para pilotos e marinheiros. A partir de quando se pode afirmar que os
Portugueses passaram a fazer navegação astronómica, ou seja, regressando
a Portugal pelo largo e não junto à costa? Os dados são escassos, mas
hoje é aceite sem grandes dúvidas que terá sido algures entre 1435
e 1440, segundo se depreende da comparação entre um mapa de 1436, o início
da colonização dos Açores, 1439, e
uma passagem da crónica de Zurara». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses
Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos
Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.
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