Cortesia
de wikipedia e jdact
«A
reportagem que vai ler relata factos que aconteceram exactamente como estão
descritos neste livro; a vida de Olga Benario Prestes, uma história que
me fascina e atormenta desde a adolescência, quando ouvia o meu pai referir-se
a Fílinto Muller como o homem que tinha dado a Hitler, de presente, a
mulher de Luís Carlos Prestes, uma judia comunista que estava grávida de sete
meses. Perseguido por essa imagem, decidi que algum dia escreveria sobre Olga,
projecto que guardei com avareza durante os anos negros do terrorismo de estado
no Brasil, quando seria inimaginável que uma história como esta passasse
incólume pela censura. Logo que iniciei a investigação para escrever este
livro, há quase três anos, percebi que as dificuldades para recompor o retrato
de Olga seriam muito maiores do que supunha. No Brasil não havia praticamente
nada sobre a personagem, e surpreendi-me a descobrir que até mesmo a
historiografia oficial do movimento operário brasileiro, produzida por partidos
ou investigadores marxistas, relegara invariavelmente a ela o papel subalterno
de mulher de Prestes, e nada mais do que isto. Em tudo o que pude ler
não encontrei mais do que alguns parágrafos vagos e superficiais. A esta
circunstância somava-se outro obstáculo: se estivesse viva, Olga teria hoje 77
anos, e como sua militância política deu-se muito precocemente, a maioria das
personagens que conviveram com ela estavam mortos. Os poucos sobreviventes que
testemunharam a sua saga, na Alemanha ou no Brasil, eram, no mínimo,
octogenários, nem todos com memória ou condições de saúde para desenterrar
detalhes de episódios acontecidos há pelo menos meio século.
A minha
primeira e óbvia investida foi sobre Luís Carlos Prestes. As tardes de sábado
que lhe roubei no Rio de Janeiro produziram páginas e páginas de preciosas
informações, muitas delas inéditas. E ao lutar para romper a barreira que ele
se impunha para evitar falar de questões pessoais, muitas vezes me comovi ao
perceber que o rígido comunista que transmitia a imagem de um homem de aço não
escondia a sua emoção ao revelar minúcias da personalidade da sua falecida
mulher ou rememorar passagens da curta e emocionante vida em comum que tiveram.
Dono de memória prodigiosa, Prestes foi capaz de reviver com precisão a hora de
um embarque ou as exactas palavras de um diálogo ocorrido há cinquenta anos.
Foram poucos os casos de informações dadas por ele que, compulsadas com
processos e documentos oficiais da época, resultaram incorrectas. Dos
testemunhos gravados dos seus depoimentos surgiram novos factos e personagens
da revolta comunista de 1935, em cuja busca parti em seguida.
Simultaneamente
o jovem advogado e bibliófilo António Sérgio Ribeiro (um dos maiores estudiosos
de Carmem Miranda no nosso país) vasculhava colecções de jornais e revistas da
época. O passo seguinte envolveu uma viagem à República Democrática Alemã,
onde, ao contrário do que ocorrera no Brasil, localizei um verdadeiro tesouro.
Heroína nacional cujo nome baptiza dezenas de escolas e fábricas, Olga teve a sua
memória carinhosamente preservada pelos comunistas da sua terra. Nos arquivos
do Instituto de Marxismo-Leninismo, no Comité de Resistentes Antifascistas ou
nos pequenos museus montados no campo de concentração de Ravensbruck e no campo
de extermínio de Bernburg (ambos preservados tais como foram encontrados pelas
tropas aliadas), obtive cópias de todos os documentos e fotografias referentes
a Olga Benario. Com a preciosa ajuda de Alexandre Fischer e Katharina
Schneider, intérpretes destacados pelo governo da RDA para auxiliar-me na
pesquisa, não só seleccionei e reproduzi todo o material disponível, como
entrevistei creio que todos os velhos militantes que tinham convivido com Olga
na Juventude Comunista, nos anos 20 e, uma década depois, nas prisões e campos
de concentração nazistas. Não me esquecerei jamais das lágrimas que a
entrevista arrancou nos olhos de Gabor Lewin, já velhinho, em cuja casa
esvaziamos juntos, a dez graus abaixo de zero, uma garrafa de conhaque francês.
Quando perguntei se se confirmava a lenda de que Olga despertava paixões
fulminantes nos seus companheiros da Juventude Comunista, Lewin pôs-se a
chorar. Foi Herta, sua mulher velhinha como ele, quem desfez o meu desconforto
ao dizer, sorridente: Olga foi a grande paixão da vida do Gabor». In
Fernando Morais, Olga, 1985, Editora Ómega, 1993/1994, Companhia das Letras,
1985/1999, epub, 2014, ISBN 978-857-164-250-8.
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