segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Os Trovadores Medievais. José D’Assunção Barros. «Ela não é a única contribuição do trovadorismo para a cultura medieval e para a história do pensamento do homem ocidental, mas seguramente é a mais impactante»

Cortesia de wikipedia

O Amor Cortês. Reflexões Historiográficas
«(…) Todos estes universos trovadorescos guardam as suas próprias especificidades. Mas existem certas características comuns que tocam todo o grande conjunto de poetas-cantores medievais, como a itinerância de boa parte dos seus participantes ou a oralidade de sua produção. A entender por estes critérios, a cultura medieval contou com uma longa duração de movimentos trovadorescos nas várias partes da Europa (a partir da Idade Moderna esta longa duração desfaz-se num mundo que será progressivamente tomado pelo predomínio da escrita, pela separação entre poesia e música, pela profissionalização mais estabilizadora do artista, e por toda uma série de novas práticas que deixarão o mundo dos trovadores medievais para trás). E, contudo, naquela espécie de longa duração trovadoresca marcada pela itinerância e pela oralidade se inscrevem as durações mais curtas, compreensíveis a partir de um enfoque historiográfico que permite isolar os diversos trovadorismos de acordo com as sociedades que os envolvem. É aqui que surge uma acepção mais restrita para a designação trovadores. Segundo esta, o movimento trovadoresco pode remeter a uma realidade mais específica, como a das cortes régias e senhoriais a partir do século XI, quando a cultura aristocrática assimila a produção poético-musical como uma das suas actividades distintivas. Os historiadores puderam debruçar-se mais especificamente sobre estes trovadores cortesãos que actuaram no Ocidente Europeu entre os séculos XI e XIV porque eles deixaram muitos registos, seja sob a forma de cantigas das quais se conhece a poesia e a música que foram anotadas em grandes códices de manuscritos palacianos, seja sob a forma de relatos acerca das suas vidas que nos foram legados pelos cronistas da época e por textos difundidos pelos próprios trovadores. É frequentemente a este universo trovadoresco mais singular que muitos historiadores se referem quando utilizam a designação trovador.
Assim, esta acepção mais restrita representa uma espécie de recorte, no espaço social e no tempo, dentro da produção trovadoresca mais ampla. Refere-se pois à poesia, popular ou aristocrática, que circulava no meio cortesão, notando-se que desta circulação participavam os mais diversos tipos sociais. Além disso remete a um período que vai do século XI ao XIV, estendendo-se ao século XV em algumas cortes alemãs. É a esta contribuição trovadoresca mais específica que nos referiremos a partir daqui. Tal como foi dito, característica comum à boa parte dos trovadores medievais de que trataremos aqui era a sua itinerância, ainda que esta não deva ser exagerada, já que muitos trovadores se estabeleciam a seu tempo em alguma corte ou região. Ser um meio movente traz uma efervescência especial ao meio trovadoresco. O trovador liga-se por esta afinidade àquelas figuras do cavaleiro andante, do clérigo errante, do mercador e navegante, cada qual um elemento importante no processo de transformação da sociedade medieval a partir do século XI. Ao mesmo tempo, a itinerância punha em contacto todos os trovadores, facilitava as trocas culturais e criava uma grande malha que recobria todo o Ocidente Europeu com o seu tecido de versos e sonoridades.
O grande concerto dos poetas-cantores tinha contudo os seus timbres internos. Para efeito de simplificação, consideremos as cinco principais regiões culturais em termos de produção trovadoresca. A França via-se então dividida culturalmente em norte e sul, daí gerando dois subconjuntos distintos e separados pela linguagem. No sul occitânico o subconjunto provençal dos troubadours, da langue d’oc e da civilização cátara, berço do amor cortês. No norte, os trouvères, cantando na langue d’oil as primeiras canções de gesta. Em torno do vale do Pó, foi mais tardio o movimento dos trovadores italianos, dando origem ao chamado dolce stil nuovo. Na Alemanha, a Minnesang contribuía com a sua versão germânica para o amor cortês (minne = amor subtil) e para outros géneros trovadorescos. Finalmente, o subconjunto dos trovadores galego-portugueses, que unificava através de uma língua poética comum boa parte da Península Ibérica cristã (com excepção de Aragão e da Catalunha, mais ligados ao circuito provençal). Dos cinco subconjuntos destacados, o Provençal pode ser tomado como o grande pólo de irradiação que detonou o trovadorismo de corte. A grande novidade trazida por estes troubadours do sul occitânico (cortes da Provença, Toulouse, região da Catalunha) foi sem sombra de dúvida o Amor Cortês. Explica a sua irresistível difusão por toda a Europa Feudal o facto de que este novo modelo do sentir estava em imediata sintonia com os valores feudovassálicos do seu tempo, com formas apaixonadas de religiosidade que então surgiam, com necessidades sociais interfamiliares que proporcionaram não apenas o surgimento dos trovadores, mas também dos cavaleiros andantes em busca de aventuras e de oportunidades. É esta contribuição mais específica do Amor Cortês que enfocaremos agora. Ela não é a única contribuição do trovadorismo para a cultura medieval e para a história do pensamento do homem ocidental, mas seguramente é a mais impactante». In José D’Assunção Barros, A Arena dos Trovadores, 1995, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês. Reflexões Historiográficas, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio 2008.

Cortesia de Alethéia/JDACT