«(…) Ao
inclinar-me para a beijar, sussurrei ao ouvido da boliviana com toda a ironia
do mundo: que boa conquista, Julita., Ela piscou-me o olho e concordou, Durante
o almoço, o tio Pâncracio. depois de dissertar sobre a música crioula, na qual
era perito, nas festas familiares tocava sempre um solo de cajón, virou-se para ela e, meloso como um gato, contou: a
propósito, todas as quintas-feiras à noite actua a Peña Felipe Pinglo, em La
Victoria, o coração do crioulismo. Gostarias de ouvir um pouco da verdadeira
música peruana? A tia Julia, sem vacilar um segundo e com uma cara de desolação
que acrescentava calúnia ao insulto, respondeu apontando para mim: olha que
pena. O Marito convidou-me para ir ao cinema. O tio Pancracio curvou-se, com
espírito desportivo: cedo a vez à juventude. Depois, quando ele se foi embora,
eu achei que ia escapar porque a tia Olga perguntou: a história do cinema era
só para se livrar do velho safado? Mas tia Julia corrigiu com ímpeto: nada
disso, minha irmã, estou louca para ver a fita do Barranco que é imprópria para
senhoritas. Virou-se para mim, que estava escutando como se decidissem o meu
destino nocturno e, para me acalmar, acrescentou este primor: não te preocupes
com o dinheiro, Marito. O convite é meu. E lá estávamos, andando pela escura
ladeira da Quebrada de Armendáriz, pela larga avenida Grau, ao encontro de um
filme que, além de tudo, era mexicano e se chamava Mãe e Amante.
O ruim
de ser divorciada não é que todos os homens se achem na obrigação de fazer
propostas, informou-me a tia Julia. Mas sim que por ser divorciada pensam que podem
dispensar o romantismo. Não namoram, não fazem gentilezas, propõem a coisa directamente,
às primeiras, com a maior vulgaridade. A mim enoja-me. Então, em vez de me levarem
para dançar, prefiro vir ao cinema contigo. Agradeci pela parte que me tocava. São
tão burros que acham que toda a divorciada é uma mulher da rua, continuou, sem
se dar por achada. E, além disso, só pensam em fazer as coisas. Quando o bonito
não é isso, mas sim apaixonarmo-nos, não é verdade? Expliquei para ela que o
amor não existia, que era invenção de um italiano chamado Petrarca e dos
trovadores provençais. Que isso que as pessoas acreditavam ser uma fonte
cristalina de emoção, uma efusão pura do sentimento, era o desejo instintivo
dos gatos no cio dissimulado por trás de palavras bonitas e mitos da
literatura. Não acreditava em nada disso, mas queria ser interessante. A minha
teoria erótico-biológica, para além do mais, deixou a tia Julia bem incrédula: acreditava
de verdade nessa idiotice? Sou contra o
casamento, disse-lhe com o ar mais pedante que consegui. Sou partidário do que
chamam de amor livre, mas que, se fôssemos honestos, deveríamos chamar
simplesmente de cópula livre. Cópula quer dizer fazer as coisas? Ela riu. Mas
na mesma hora fez uma cara decepcionada. No meu tempo, os rapazes escreviam
acrósticos, mandavam flores para as meninas, precisavam de semanas para se
atreverem a dar um beijo. O amor tornou-se uma porcaria com os parvalhões de
hoje, Marito.
Tivemos
um começo de briga na bilheteria para ver quem pagava a entrada e, depois de
suportar uma hora e meia de Dolores del Rio gemendo, abraçando, gozando, chorando,
correndo pela selva com os cabelos ao vento, regressámos para a casa do tio Lucho,
também a pé, enquanto a chuva miudinha nos molhava o cabelo e a roupa. Então
falámos de novo de Pedro Camacho. Tinha a certeza de nunca tinha ouvido falar
dele? Porque, segundo Genaro filho, era uma celebridade boliviana. Não, não o
conhecia nem de nome. Pensei que tinham passado a perna em Genaro, ou que,
talvez, a suposta indústria radioteatral boliviana fosse uma invenção sua para lançar
publicitariamente um plumífero aborígene. Três dias depois, conheci Pedro
Camacho em carne e osso. Acabava de ter um incidente com Genaro pai, porque
Pascual, com a sua incontrolável predilecção pelo atroz, havia dedicado todo o
boletim das onze horas a um terremoto em Ispahan. O que irritava Genaro pai não
era tanto que Pascual ter deixado para trás outras notícias, para referir, com
profusão de detalhes, como os persas sobreviventes aos desmoronamentos eram
atacados por serpentes que, ao explodirem os seus refúgios, surgiam à
superfície coléricas e sibilantes, mas sim o terremoto ter ocorrido há uma
semana. Tive de concordar que Genaro pai tinha razão e desabafei chamando irresponsável
a Pascual. De onde havia tirado aquela história requentada? De uma revista
argentina. E por que havia feito uma coisa tão absurda? Porque não havia nenhuma
notícia de actualidade importante e essa, pelo menos, era divertida. Quando lhe
explicava que não nos pagavam para divertir os ouvintes, mas sim para lhes dar
um resumo das notícias do dia, Pascual, abanando a cabeça de forma conciliatória,
opunha-me o seu argumento imbatível: acontece que temos concepções muito
diferentes de jornalismo, senhor Mario». In Mario Vargas Llosa, A tia Júlia e o
Escrevedor, 1977, tradução de Cristina Rodriguez, Publicações dom Quixote,
1988, 2008, ISBN 978-846-123-866-8.
Cortesia
PdQuixote/JDACT