jdact
«O
homem foi encontrado no santuário, sobre o vale. Chegava-se ao edifício passando
por uma longa fileira de árvores. Ao seu lado, um areal enfeitado com alguns
arbustos e ervas sem flores circundava a construção. Uma corrente serpenteava por
entre as árvores para desaguar num riacho, numa fina cascata sobre as rochas
cavas. As nuvens tinham-se acumulado depois do relâmpago que rasgara o céu. Escureciam,
envolvendo com uma aura sombria as estrelas que anunciavam a noite. Fazia-se tarde
no jardim com as suas árvores e as suas estreitas correntes de água à volta do
templo, fazia-se tarde no vale de onde o fumo se elevava em volutas, fazia-se tarde
em toda a terra. No entanto, a luz fraca do crepúsculo, era possível distinguir
o homem na sala vazia. jazia estendido no solo, sem vida, braços dispostos em
cruz, cabeça inclinada para o ombro, corpo coberto por um andrajo. Os seus
cabelos sem cor esfiapavam-se como filamentos, e a pele, tão fina que parecia
desaparecer, era furada pelos ossos. O rosto, inexpressivo, apresentava o trejeito
característico da caveira. O vigor abandonara este corpo consumido pelo tempo,
os rins tinham perdido força, a carne derretia como cera, o braço desprendera-se
do ombro, os joelhos pareciam liquidificados. Os seus ossos deslocavam-se e as entranhas
assemelhavam-se a um navio na fúria de uma tempestade. Diante dele, estava um fragmento
de manuscrito coberto por uma escrita negra e cerrada, que ele parecia ter segurado
na mão, há muito, muito tempo... Esta é a tua visão e tudo o que ela contém
está prestes a advir no mundo... No meio de grandes sinais, a tribulação
abater-se-á sobre esta terra. E depois de todas essas matanças e massacres, elevar-se-á
um Príncipe das Nações».
O
rolo de Ary
«Para
vós, experimentarei então o meu sopro: dispensarei as minhas palavras, por meio
de parábolas e enigmas, a todos os perscrutadores das raízes do discernimento e
também aos seguidores dos mistérios do maravilhoso, aos caminhantes, aos cândidos
e àqueles cujos actos não passam de intrigas sobre os tumultos das nações, para
que possam discernir entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, para que
apreendam os mistérios do pecado. Eles ignoram os segredos, nunca questionaram as
crónicas, não sabem o que os espera. Não salvaram a sua alma, privados que estavam
do segredo da existência». In Manuscritos
do Mar Morto, O Livro dos Segredos.
«Era
uma manhã de Primavera. O Sol levantava-se sobre Jerusalém, acariciava os
telhados com o seu olhar castanho--avermelhado, esse olhar que só tem para ela.
Os seus raios filtravam-se através da janela do meu hotel, envolvendo o quarto num
halo amarelado. Alguém batia insistentemente a porta. Levantei-me, vesti-me rapidamente
e fui abrir. Foi então que vi aquele cuja presença temera, o portador de notícias
que sempre receava e cujas palavras tinham abalado tantas vezes os alicerces da
minha vida. Ali estava ele, sempre igual a si mesmo, em todo o seu poder, na
plenitude do seu ser. Incontornável. Modos descontraídos, cinquenta anos bem conservados,
tez mate, cabelos escuros com fios de prata, vestido à militar, com um casaco e
umas calças de grosso tecido bege. Shimon Delam, proferi, como que para mantê-lo
à distância, ex-comandante do exército, actual chefe do Shin Beth, os serviços
de informação interna de Israel... Não, Ary, acabo de ser nomeado para um novo posto,
respondeu, esboçando um sorriso. Agora estou no Mossad. Parabéns. Muito me regozijo...
Mas..., foi para me dares essa notícia que vieste aqui a esta hora tão matinal?
Matinal..., ecoou Shimon, entrando e instalando-se confortavelmente numa das
poltronas. Assinalo-te que, mesmo assim, já são sete horas. Deixei a porta
escancarada. Ora, Shimon... Podemos ver-nos um pouco mais tarde, ou melhor..., nunca
mais! Não queria incomodar-te, Ary, mas é um caso urgente, interrompeu-me, com ar
falsamente desolado. Um caso urgente. Claro, é sempre um caso urgente...
Urgente
talvez não seja a palavra adequada. Diria antes premente. Bem, bem…, qual é a diferença?,
perguntei, continuando de pé, pois estava habituado às subtilezas de Shimon. O meu
interlocutor pareceu satisfeito. Já não era sem tempo. Perfeito. Agora podes
sentar-te. Obedeci automaticamente. Perfeito? Shimon tinha um dom único para se
sentir em sua casa a qualquer hora e a qualquer momento e, também, para o dar a
entender aos outros. Sim, perfeito. Preciso de te falar a sós. Trata-se de trabalho.
Mas, Shimon, sabes perfeitamente que isso está completamente fora de questão...
Fez um gesto para me indicar que não queria dizer mais. Franziu a sua testa burilada
pelo sol, sinal de grande inquietação. Passou-me uma fotografia. Olhei para
ela, sem compreender. Um homem jazia no solo, braços em cruz, aparentemente
morto há bastante tempo: o seu corpo deixava os ossos à vista sob um pedaço da
túnica clara, mal se lhe distinguiam os traços do rosto. Encontrava-se num
local que se assemelhava vagamente a uma sinagoga antiga, ou melhor, a um
templo». In Eliette Abécassis, A Última Tribo, 2004, tradução de Carlos
Oliveira, Editora Livros do Brasil, Colecção Suores Frios, Lisboa, 2005, ISBN
972-382-763-8.
Cortesia
ELBrasil/JDACT