«(…)
Por isso, falar destas mulheres implica que mesmos os sectores sociais marginais
não deixem de pertencer, com muitas nuances
a um sector major de marginalidade, a história das mulheres. E não estamos
sequer a falar da história do género porque Homem e Mulher caminham, lado a
lado, nesta aventura secular, em conflito declarado ou em harmonia aparente.
O
conde Henrique e a rainha dona Teresa. Uma relação conturbada?
Foi no
ano 1096 que teve lugar um dos marcos mais importantes para o futuro reino de Portugal
e para a monarquia portuguesa: a celebração do casamento do conde Henrique da Borgonha
com dona Teresa, filha de Afonso VI de Leão e Castela, de cognome o Imperador. Para recompensar os sucessos
militares e os vários anos em que lutara a seu lado contra os mouros, Afonso VI
concedeu a Henrique o título de conde e, como dote matrimonial, as terras a sul
do rio Minho, o denominado Condado Portucalense e de Coimbra. Podemos considerar
este consórcio como o início da Casa Real Portuguesa, na bem conhecida expressão
de António Caetano Sousa, nascendo deste matrimónio o 1.º rei de Portugal, Afonso
Henriques. O conde Henrique, de gentil presença, estatura bem proporcionada, olhos
azuis e cabelos louros, era filho de Henrique da Borgonha e de Sibila, e bisneto
de Roberto II, rei de França. As origens de dona Teresa são mais difíceis de precisar.
Na realidade, não há dúvidas quanto ao facto de ser filha de Afonso VI e de
dona Ximena Nunes Gusmão, mas incertezas pairam quanto ao seu nascimento.
Muito
se tem escrito sobre a legitimidade deste casamento, o que tem suscitado questões
quanto à bastardia de dona Teresa. Diferentes pontos de vista têm vindo a abordar
esta matéria. Se há diversos autores que referem que era filha legítima porque
o consórcio efectivamente se verificara, os estudos mais recentes parecem ser unânimes
em considerar que dona Teresa era filha ilegítima de Afonso VI. Atendendo à
dificuldade de provar documentalmente qualquer uma das afirmações, o certo é que,
do muito que se escreveu sobre o casamento, permanece pouco clara a legitimidade
da união matrimonial dos seus progenitores. O nascimento do reino de Portugal teve,
deste modo, por base a doação patrimonial do imperador Afonso VI de Leão e Castela
à sua filha dona Teresa. Uma ilegítima que reclamará para si a dignidade régia,
intitulando-se rainha em vários documentos oficiais. Em conclusão, a legitimação
de filhos bastardos, como veio a suceder com dona Teresa, consagrava juridicamente
a perpetuação da linhagem, sobretudo para um reino que se estava a consolidar. O
conde Henrique e dona Teresa, de quem se diz que tinha grande formosura, foram pais
da infanta dona Sancha Henriques, de dona Urraca Henriques, e de dona Teresa Henriques.
O infante Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, nasceu em 1109, em
Guimarães ou em Viseu.
Afonso
Henriques tinha apenas dois anos quando o conde Henrique morreu em Astorga, em Maio
de 1112. Segundo algumas fontes, o conde teria tido um filho ilegítimo, Pedro Afonso,
de uma dona de nobre geração, acabando ele próprio por tomar o hábito de S. Bernardo
no Real Mosteiro de Alcobaça, onde jaz sepultado, mas as informações mais
detalhadas para tempos tão remotos permanecem obscurass. Em primeiro lugar, porque
o patronímico devia ser Henriques e não Afonso, isto é, se fosse bastardo do conde
Henrique provavelmente chamar-se-ia Pedro Henriques. Mas o silêncio e a pouca clareza
dos documentos relativamente a este Pedro Afonso, a par da forte
improbabilidade de certos factos que se lhe atribuem, principalmente durante o reinado
de Afonso Henriques, levam a que estudos recentes considerem pouco crível que
Pedro Afonso fosse bastardo do conde Henrique.
A vida
escandalosa de dona Teresa
Porém,
se da vida afectiva do conde Henrique pouco se conhece, sobre dona Teresa o leque
de informações é mais vasto. Alguns anos após a morte do conde, nota-se uma
aproximação significativa de dona Teresa a Bermudo Peres Trava, com quem terá tido
uma relação afectiva. Por esta altura, com o apoio dos Trava, Bermudo, Pedro Froilaz
e Fernão Peres, começou a reivindicar o senhorio da Galiza, a herança de seu pai.
A vida amorosa de dona Teresa após a morte de seu marido foi, para a época, de acordo
com os dados de que se dispõe, algo escandalosa. Segundo parece, viveu
com Bermudo Peres Trava, mas em 1120 iniciou uma relação com o irmão deste, Fernão
Peres Trava. Não se sabe ao certo se casaram ou se apenas viviam juntos maritalmente,
mas uma crónica antiga diz que mantinham um casamento sem Deus e sem direito».
In
Paula Lourenço (coord), Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Amantes dos Reis de
Portugal, 2008, Esfera dos Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-626-136-8.
Cortesia
ELivros/JDACT