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Esta situação de convivência e intimidade sexual com Bermudo Peres antes de casar
com o irmão dele era, à luz do direito canónico, um grave crime de incesto,
agravado mais tarde quando Bermudo Peres Trava casou, cerca de 1121, com a infanta
dona Urraca Henriques, filha de dona Teresa e irmã de Afonso Henriques. Tanto o
temperamento como a acção política da filha de Afonso VI tornam-se difíceis de avaliar
na medida em que a sua figura foi detractada nas fontes e na historiografia. Certo
é que almejava algum protagonismo de poder, intitulando-se rainha desde 1117 e reclamando
a sua herança paternal. Ambição que, tudo leva a crer terá moldado o carácter do
próprio filho.
Afonso
Henriques, um rei entre a guerra e o amor
Afonso
de nome, tal como seu avô, o Imperador,
o primogénito, que cedo ficou sem pai, foi educado com a bem conhecida família de
Egas Moniz. O caminho que dona Teresa trilhava acompanhada, sobretudo, por Fernão
Peres Trava conduziu, a partir de 1121-1122, ao afastamento de alguns nobres
que, desde o tempo do conde Henrique, eram índice de autoridade e de respeito
não só na corte, como também em todo o condado. Com efeito, eram homens de
carisma militar, governadores de terra e dignitários da corte, e será esta hostilização
da nobreza portuguesa a causa da oposição e revolta contra dona Teresa. O episódio
do cerco de Guimarães, em 1127, marcou o início do protagonismo do infante, que
fora armado cavaleiro em Zamora dois anos antes, na cena política do condado,
alicerçando o acordo entre Afonso Henriques e os nobres da corte de seu pai, do
Norte de Portugal. Afonso Henriques assumia a autoridade do comando político-militar
a norte do Douro e sua mãe, dona Teresa, as terras de Entre Douro e Minho. Uma
das questões que mais tem apaixonado historiadores e leigos é a Batalha de S. Mamede
em Junho de 1128 e a revolta de Afonso Henriques contra sua mãe. Por muitos
considerado como o início da história do futuro reino de Portugal, este episódio
ditou o afastamento de dona Teresa e do conde Fernão Peres Trava, que se viram obrigados
a abandonar o condado. Diz a tradição que Afonso Henriques prendeu sua mãe,
colocando-a em ferros, mas sabe-se que partiram para a Galiza
acompanhados das suas duas filhas, Sancha e Teresa Fernandes, acabando dona Teresa
por vir a falecer pouco tempo depois, a 1 de Novembro de 1130.
A partir
da Batalha de S. Mamede e até ao momento em que foi aclamado rei, Afonso
Henriques governou o condado portucalense na dignidade de príncipe. Por ser uma
personagem tão carregada de sentido e envolta em narrativas míticas, recorrendo
aqui às palavras da mais recente obra sobre este monarca, o nosso primeiro rei encontra-se
envolto em lendas e histórias que o relacionam com a fundação da monarquia e do
reino. De facto, a tradição cronística e histórica, de Rui de Pina e Duarte Galvão,
entre outros, atribui a estes acontecimentos uma forte carga sagrada, com
relatos frequentes de aparições de Jesus Cristo e de Maria a alguns dos principais
protagonistas destes anos. Desde a cura milagrosa de uma deformação física com que
o infante nascera ao milagre de Ourique, vários são os exemplos que poderíamos
elencar. Um dos aspectos mais marcantes do reinado de Afonso Henriques, como o
será ainda para alguns dos seus sucessores, foi a guerra contra os mouros.
Tratou-se de uma importante época para a definição territorial do reino, e de que
a Batalha de Ourique será o ex-líbris.
A este episódio, cujos pormenores ainda estão por precisar, tal como o local onde
se deu a batalha, está associada a aclamação de Afonso Henriques como rei de Portugal.
Uma vez
aclamado rei, impunha-se garantir a sucessão. Neste contexto, João Peculiar, arcebispo
eleito de Braga e principal conselheiro de Afonso Henriques, desempenhou um papel
relevante. Não só participou em negociações e acordos fundamentais para o governo,
dos quais se destaca a viagem até Roma, em 1144, para persuadir o papa a reconhecer
o título de rei, como parece ter sido o responsável pelo pedido da mão de dona Mafalda,
ou dona Matilde, ao conde de Maurienne para casar com o monarca português. Tomou
parte, de igual modo, nos acordos com o rei Fernando II de Leão para o matrimónio
com a infanta dona Urraca em 1165». In Paula Lourenço (coord), Ana Cristina
Pereira, Joana Troni, Amantes dos Reis de Portugal, 2008, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2011, ISBN 978-989-626-136-8.
Cortesia
ELivros/JDACT