jdact
As
Montanhas Negras do Alto Languedoc. Verão de 1207
«(…) Raoul
observou a mão rechonchuda de Otho mergulhar num prato de amêndoas açucaradas,
agarrá-las, levá-las aos lábios húmidos e atafulhá-las na boca ávida. Sentiu-se
nauseado e desviou o olhar. Três peregrinos tinham acabado de chegar ao salão
de banquetes. As suas capas e chapéus de abas largas estavam poeirentos da
viagem. Alein, o escudeiro do seu pai, encontrou-lhes lugares para se sentarem
nas apinhadas mesas junto da porta. Eram dois homens, um por volta dos quarenta
anos, o outro, uns dez anos mais velho. Sentada entre eles e a agradecer a
Alein com um caloroso sorriso estava uma jovem mulher. Os ossos que formavam o
seu rosto eram demasiado fortes para lhe dar beleza, mas havia alguma coisa
para além do seu aspecto que a tornava totalmente hipnotizante. Cheio de
curiosidade, Raoul estudou-a, perguntando-se de onde viria ela e para onde ia.
Os peregrinos paravam ocasionalmente em Montvallant a caminho de Toulouse, mas,
de uma forma geral, pediam hospitalidade na igreja em Villemur. Uma criada
debruçou-se sobre a mesa para servir mais pão e vinho, escondendo a jovem da
vista de Raoul. Ele inclinou o pescoço, tentando mantê-la no seu campo de
visão. Os músicos, que tinham estado a tocar baixinho durante os variados
pratos do banquete, mudaram de ritmo e os vivos acordes de uma jiga encheram o
salão. O pai deu-lhe uma cotovelada. Não vais dançar com a tua noiva? provocou-o
Berenger. As pessoas estão à espera que a convides. Raoul apercebeu-se dos
olhares expectantes dos convidados da boda. Mortificado, ergueu-se
apressadamente e, voltando-se para Claire, estendeu-lhe a mão para a ajudar a
levantar-se. Ela corou e pousou os dedos finos nos dele. O ouro novo do seu
anel de casamento brilhava como uma promessa. Raoul esqueceu a peregrina quando
conduziu a sua noiva para o espaço que fora aberto no salão, esqueceu tudo para
além da sensação daquele corpo esguio que ora tocava ligeiramente o seu, ora se
afastava, à medida que rodopiavam nos antigos passos da celebração. Mais
pão, Bridget?, Chretien ofereceu à sobrinha o cesto com pequenos pãezinhos. Ela
recusou com um sorriso. Não conseguiria comer nem mais um pedaço. Pousando os
cotovelos sobre a mesa, observou os dançarinos com olhos melancólicos. Eles
pertenciam a outro mundo, um que ela podia ver mas nunca penetrar. Uma parte de
si ansiava pelas cores, as festas e a descuidada exuberância que não se
preocupava com nada para além do momento. Por vezes era muito difícil ser quem
era e ser o que era. Os dançarinos rodopiaram na sua direcção, o jovem noivo
encurralado no meio de um grupo de outros homens. Ele ria enquanto tentava sem
grande esforço escapar às suas mãos. Bridget conteve o fôlego ao vê-lo mais de
perto. Sentiu o magnetismo do jovem corpo vigoroso e a alegria que dele
irradiava. O seu próprio corpo reagiu como a corda tangida de uma harpa. Baixou
o olhar para a mesa e fixou-o numa escura mancha de vinho na madeira, o seu
coração acelerando e a pele a vibrar de sensibilidade. O salão irrompeu em aplausos
e gritos, assobios de aprovação e brados de encorajamento quando o noivo foi
conduzido para as escadas da torre. O que é que se está a passar?, perguntou
Bridget a uma mulher sentada à sua mesa. O que é que se vai passar, quer a
menina dizer, gracejou a mulher. Está na altura de o senhor Raoul e a sua noiva
serem levados para a cama para cumprirem o seu dever! Ah!, soltou Bridget. Fora
por isso que ela sentira o seu vigor, uns momentos antes, mas nessa noite esse
vigor já tinha um objectivo. A nova esposa, rodeada pelas suas damas, estava a
ser conduzida do dossel para um diferente lanço de escadas. Ela tinha o andar
gracioso de uma corça e os mesmos modos tímidos e perplexos. Silenciosamente,
Bridget desejou felicidades ao casal». In Elizabeth Chadwich, As Filhas do Graal,
1993, tradução de Ester Cortegano, Edições Chá das Cinco, 2013, ISBN
978-989-710-050-5.
Cortesia
de CdasCinco/JDACT