A renitente autorização do pai
«(…) O príncipe Fernando Augusto,
os pais e os irmãos partiram finalmente para Coburgo, em Novembro de 1835, onde
as negociações decorreram entre os representantes das duas famílias reinantes,
o ministro Carlowitz, pelo lado de Coburgo, e Lavradio pelo português. O barão
de Stockmar, que já era e será uma presença constante e fiel dos Coburgos
(Leopoldo, duquesa de Kent e mais tarde Alberto), foi enviado pelo rei dos Belgas
como conselheiro do duque Fernando Jorge, assumindo a qualidade de plenipotenciário
deste último. As negociações revelaram-se difíceis e penosas por um conjunto de
razões que, melhor do que ninguém, Lavradio explica: em todas as discussões encontrei
grandes dificuldades, em consequência do nenhum ou quase nenhum conhecimento que
o duque Fernando e as outras pessoas, com quem eu era obrigado a tratar, tinham
da história e legislação portuguesa e, em geral, da essência e formas dos
governos constitucionais. Por isso, o rei Leopoldo tinha toda a razão quando
fez o sobrinho passar uma temporada em Bruxelas, onde lhe ensinaram o que era reinar
em regime constitucional.
Como
ponto de partida das negociações, foi apresentado o contrato do primeiro casamento
da rainha, assinado precisamente um ano antes. Mas os duques de Coburgo não estavam
dispostos a aceirar as mesmas condições. Daremos aqui a palavra ao negociador
português, testemunho precioso do que se passou: na segunda conferência [...] Carlowirz
apresentou-me uma pretensão que muito me embaraçou. Depois de me haver observado
que o príncipe Fernando deveria renunciar à dignidade de magnate da Hungria acrescentou
que esta renúncia fazia perder ao príncipe uma renda de 400 000 florins anuais e
que, portanto, para compensar este sacrifício, seria necessário que a dotação do
príncipe fosse elevada a uma soma superior à de 50 000 000 [réis] (pouco
mais ou menos 150 000 florins) que eu havia proposto. Depois de várias explicações
que me foram necessárias dar a Carlowitz, conclui observando-lhe: 1.º que, nas circunstâncias
actuais da Nação Portuguesa, me parecia que não seria possível conceder ao príncipe
maior dotação do que aquela que eu havia oferecido; 2.º que, ainda quando fosse
possível conceder ao príncipe maior dotação, me parecia inconveniente, nas actuais
circunstâncias, pedi-la às cortes, pois este aumento, visto um precedente muito
próximo, daria lugar a discussões que não só embaraçariam o governo, mas poderiam
ser indecorosas para o príncipe. Carlowitz [...] replicou-me, observando-me que
a situação do primeiro marido da rainha era muito diferente da do príncipe Fernando,
pois que o primeiro podia conservar os seus bens, e o segundo não, visto a natureza
deles, que o obrigavam a deveres políticos que ele não podia cumprir sem ofender
a majestade do trono português. Como esta observação me pareceu atendível,
propus, como meio de conciliação, que se ajuntasse à convenção um artigo pelo
qual Sua Majestade se obrigasse, dados certos casos, que seriam marcados, a mandar
pedir pelos ministros, às cortes, um aumento da dotação do príncipe. Esta lembrança
excedia as minhas instruções, porém não comprometia o governo, e eu temia que o
duque Fernando fizesse ainda mais exigências, não só pelo muito que zelava os interesses
do filho, mas até como meio de demorar a conclusão da aliança, o que ele muito desejava.
O motivo da renúncia do príncipe Fernando
Augusto à herança da mãe está esclarecido por Carlowitz, se dúvidas houvesse. É
óbvio que, como marido da rainha de Portugal, nunca poderia ser súbdito do rei da
Hungria (o imperador da Áustria), o que seria se mantivesse a sua qualidade de membro
da Câmara dos Magnatas. Tal posição era impensável, tanto para Portugal, como para
a rainha, como para o noivo e a sua família. A renúncia de Fernando Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha
à herança materna nada tem que ver com exigências portuguesas impostas à sua família,
que não estava menos interessada em garantir a dignidade do futuro rei. Também não
foi provocada por supostas leis húngaras que o inabilitavam e ainda menos por outras
supostas leis portuguesas que impediam os consortes de herdar bens no
estrangeiro. As manobras de dilação do duque Fernando Jorge podem ser
explicadas por várias razões: actuava como se não desejasse o casamento para se
proteger em Viena, ou, sem forças para se opor aos irmãos, minava as negociações
porque a sua verdadeira vontade era que fracassassem. Pode ainda entender-se o seu
comportamento (e aqui a explicação remete para um cenário antagónico) se pensarmos
que quanto mais demorassem os ajustes, mais embaraçosa ficava a situação da rainha
de Portugal, obrigando-a a ceder às suas exigências». In Maria Antónia Lopes, D.
Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN
978-972-42-4894-3.
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