Cenas
de um casamento imperial
«(…) No meio da alegria geral, a
noiva, sumptuosamente vestida, com os cabelos dourados salpicados de pérolas e
enrolados em tranças a emoldurar-lhe o rosto, mantém-se recolhida na sua
liteira. É mulher muito formosa e muito
isenta da sua condição, como a descreve Damião de Góis, ou, afirma
Prudêncio Sandoral, uma das mais formosas do mundo, como ajuízam os que
a viram, e se vê em seus retratos, acrescenta o cronista. Contudo, a imperatriz
de corpo delgado, ancas estreitas e o peito pequeno é quase excessivamente
esguia para se adequar aos cânones estéticos de uma época que começava a privilegiar
corpos femininos de formas opulentas, em substituição do código de beleza medieval.
Mas a sua pele de alabastro, o longo pescoço, as feições delicadas, o oval
puríssimo do rosto, os olhos amendoados e de misteriosa expressão, o colo de
cisne e a boca perfeita extasiam todos quantos a veem. E ela muito provavelmente
sorri, aceitando a admiração estampada no rosto de homens e mulheres, jovens ou
velhos, aristocratas ou plebeus. De resto, sempre ciosa da sua condição, trata naturalmente
de ocultar as emoções, procurando manter uma imperturbável majestade. Mas, por
muito forte que seja o domínio que exerce sobre os seus sentimentos, a infanta está
a deixar para trás o adorado país onde nasceu há 22 anos, e em breve irá despedir-se
de quase todas as pessoas com quem privou ao longo da vida. A viagem recorda-lho
a. cada momento. O futuro, à sua frente, é a paisagem quase tangível das terras
onde nunca esteve. E Portugal, légua após légua, é já o passado a dissolver-se
na imensidão alentejana, afastando-a dos afectos seguros e dos territórios familiares,
esses campos, vilas e cidades onde a portuguesa corte pousa nas suas itinerâncias.
Assim, esta alegre romagem para Castela
que a conduz ao encontro do novo, que é muito simplesmente o maior senhor da
cristandade, cumpre-se do ponto de vista da jovem imperatriz sob o signo de
uma avalanche de sentimentos e emoções contraditórios. De tal forma, que, pouco
antes de chegarem a Elvas, a infanta rompe em lágrimas. Foi quando recebeu uma
carta de João III, que o marquês de Vila Real, Pedro Menezes, lhe entregou em
mão, nas andas em que sua alteza vinha, transmitindo-lhe ao mesmo tempo e de viva
voz algumas instruções cujo teor ignoramos, mas que a imperatriz recebeu com alvoroço.
No recato da sua liteira e a sós com o circunspecto Pedro Menezes, Isabel mostra-se
ao mesmo tempo alegre e comovida. É o próprio marquês que informa João III, já de
Badajoz, que a carta e aquelas palavras de vossa alteza haviam sido recebidas
com tanto prazer e mostras de alegria como se a imperatriz vossa irmã há muito tempo
não soubesse dele. Meticuloso, acrescenta o eloquente detalhe: naqueles momentos,
os olhos de sua majestade imperial encheram-se d'água. E é cada vez maior
o grupo de embuçados com sombreiros ou chapéus na cabeça que se junta à comitiva,
aproximando-se tanto quanto podiam da liteira onde seguia dona Isabel, a quem saudavam
com mesuras. Eram castelhanos, estas figuras de rosto escondido que volteavam a
cavalo e, olhando a imperatriz, a gabavam publicamente, fazendo-lhe tantos louvores
que todos ouvíamos». In Manuela Gonzaga, Imperatriz Isabel de
Portugal, Bertrand Editora, Lisboa, 2012/2013, ISBN 978-972-252-416-2.
Cortesia de Bertrand/JDACT