segunda-feira, 21 de março de 2016

Imperatriz Isabel de Portugal. Manuela Gonzaga. «No recato da sua liteira e a sós com o circunspecto Pedro Menezes, dona Isabel mostra-se ao mesmo tempo alegre e comovida. É o próprio marquês que informa João III, já de Badajoz…»

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Cenas de um casamento imperial
«(…) No meio da alegria geral, a noiva, sumptuosamente vestida, com os cabelos dourados salpicados de pérolas e enrolados em tranças a emoldurar-lhe o rosto, mantém-se recolhida na sua liteira. É mulher muito formosa e muito isenta da sua condição, como a descreve Damião de Góis, ou, afirma Prudêncio Sandoral, uma das mais formosas do mundo, como ajuízam os que a viram, e se vê em seus retratos, acrescenta o cronista. Contudo, a imperatriz de corpo delgado, ancas estreitas e o peito pequeno é quase excessivamente esguia para se adequar aos cânones estéticos de uma época que começava a privilegiar corpos femininos de formas opulentas, em substituição do código de beleza medieval. Mas a sua pele de alabastro, o longo pescoço, as feições delicadas, o oval puríssimo do rosto, os olhos amendoados e de misteriosa expressão, o colo de cisne e a boca perfeita extasiam todos quantos a veem. E ela muito provavelmente sorri, aceitando a admiração estampada no rosto de homens e mulheres, jovens ou velhos, aristocratas ou plebeus. De resto, sempre ciosa da sua condição, trata naturalmente de ocultar as emoções, procurando manter uma imperturbável majestade. Mas, por muito forte que seja o domínio que exerce sobre os seus sentimentos, a infanta está a deixar para trás o adorado país onde nasceu há 22 anos, e em breve irá despedir-se de quase todas as pessoas com quem privou ao longo da vida. A viagem recorda-lho a. cada momento. O futuro, à sua frente, é a paisagem quase tangível das terras onde nunca esteve. E Portugal, légua após légua, é já o passado a dissolver-se na imensidão alentejana, afastando-a dos afectos seguros e dos territórios familiares, esses campos, vilas e cidades onde a portuguesa corte pousa nas suas itinerâncias.
Assim, esta alegre romagem para Castela que a conduz ao encontro do novo, que é muito simplesmente o maior senhor da cristandade, cumpre-se do ponto de vista da jovem imperatriz sob o signo de uma avalanche de sentimentos e emoções contraditórios. De tal forma, que, pouco antes de chegarem a Elvas, a infanta rompe em lágrimas. Foi quando recebeu uma carta de João III, que o marquês de Vila Real, Pedro Menezes, lhe entregou em mão, nas andas em que sua alteza vinha, transmitindo-lhe ao mesmo tempo e de viva voz algumas instruções cujo teor ignoramos, mas que a imperatriz recebeu com alvoroço. No recato da sua liteira e a sós com o circunspecto Pedro Menezes, Isabel mostra-se ao mesmo tempo alegre e comovida. É o próprio marquês que informa João III, já de Badajoz, que a carta e aquelas palavras de vossa alteza haviam sido recebidas com tanto prazer e mostras de alegria como se a imperatriz vossa irmã há muito tempo não soubesse dele. Meticuloso, acrescenta o eloquente detalhe: naqueles momentos, os olhos de sua majestade imperial encheram-se d'água. E é cada vez maior o grupo de embuçados com sombreiros ou chapéus na cabeça que se junta à comitiva, aproximando-se tanto quanto podiam da liteira onde seguia dona Isabel, a quem saudavam com mesuras. Eram castelhanos, estas figuras de rosto escondido que volteavam a cavalo e, olhando a imperatriz, a gabavam publicamente, fazendo-lhe tantos louvores que todos ouvíamos». In Manuela Gonzaga, Imperatriz Isabel de Portugal, Bertrand Editora, Lisboa, 2012/2013, ISBN 978-972-252-416-2.

Cortesia de Bertrand/JDACT