Catarina
de Áustria
«O
dia 14 da Janeiro de 2007 marcou o quingentésimo aniversário do nascimento de dona
Catarina de Áustria, rainha de Portugal (1507-1578), a filha mais jovem de
Joana I de Castela e (póstuma) de Filipe, o
Belo (1478-1506), fruto de uma união dinástica que reuniu as casas de Borgonha
e Habsburgo com a de Castela e Aragão em 1496. Irmã mais nova do imperador Carlos
V (1500-1558), dona Catarina foi estrategicamente colocada no trono português em
1525, como meio de o imperador garantir a estabilidade política na Península Ibérica.
Casando a irmã, mulher que mal conhecia, com João III (r. 152l-1557), Carlos podia
confiar nos laços e lealdades familiares para proteger os seus interesses em Espanha
e em Portugal. O seu próprio casamento em 1526 com Isabel (falecida em 1539), irmã
de João III, reforçou esta segurança, para além de reafirmar uma política de casamentos
há muito estabelecida entre as casas reais espanhola e portuguesa. A historiografia
apresenta-nos dona Catarina como uma princesa de Habsburgo que apenas representou
e promoveu as políticas habsburguesas na corte de Lisboa. Inquestionavelmente dedicada
ao imperador e uma das suas mais fortes aliadas na Península, para além de dona
Isabel, esposa deste, dona Catarina não apoiou cegamente as suas políticas. Temos
um exemplo: quando Carlos V contestou a soberania de Portugal sobre as ilhas
Molucas em 1527, dona Catarina agiu como mediadora diplomática entre o marido e
o irmão, oferecendo mesmo ao imperador as suas jóias e a sua vida, para
resolver por fim aquele impasse diplomático. Dona Catarina viu-se muitas vezes forçada
à delicada posição de equilibrar os interesses e a política da Casa Real de Avis
com a de Carlos V. Apesar de reverenciar o irmão e de promover na corte de Lisboa
o culto do imperador, dona Catarina nunca sacrificaria os interesses do trono português
aos esquemas políticos daquele. Como rainha estrangeira, dona Catarina tem sido
ignorada pelos historiadores portugueses e a sua imagem denegrida devido à incorporação
de Portugal na Coroa espanhola levada a cabo por Filipe II, em 1580. Os
historiadores insistem nas suas tendências pró-Castela e completa submissão ao irmão
e depois, mais tarde, ao rei de Espanha. A responsabilidade pela conquista de Portugal
e subsequente perda de independência deste país durante sessenta anos foi atribuída
a dona Catarina sem, contudo, haver sobre a matéria provas substanciais ou documentais.
Dona Catarina amadureceu transformando-se numa rainha astuta, estadista e mulher
política por direito próprio, qualidades reconhecidas pelo marido, João III, que
cedo lhe conferiu toda a sua confiança e uma enorme autoridade. Raramente tal liberdade
de poder era partilhada por consortes ou regentes contemporâneas. Quer João III,
quer Carlos V confiavam nas mulheres da sua família para os auxiliarem no governo
dos dois reinos: dona Isabel, por exemplo, servia de lugar-tenente e governador
de Castela durante as muitas ausências do imperador da Península Ibérica. A base
do poder político de dona Catarina e a sua capacidade de manobra na corte de
Lisboa eram também únicas. A primeira obra dedicada à vida de dona Catarina é um
panegírico escrito por José, conde de Vimioso, incluído no seu Elogio das rainhas, mulheres dos cinco reys de
Portugal do nome de João (Lisboa, 1747), e um relato anónimo, do século XVIII,
que se encontra em Viena nos arquivos dos Habsburgos, Biographischen skizzen der Infante Katerina von Castilien, e foi provavelmente
escrito por António Caetano Sousa para o seu colega, o padre Karl Gallenfels da
corte austríaca. No século XIX, um capítulo dedicado a dona Catarina foi incluído
na obra Rainhas de Portugal (Lisboa,
1878), de Francisco Fonseca Benevides. O primeiro historiador a reconstruir mais
cientificamente a vida de dona Catarina e da sua corte, com a inclusão de documentos
de arquivo encontrados em Portugal e Espanha, foi Félix Llanos y Torrigilia, cujo
ensaio Contribuición al estudio de la reina
de Portugal, hermana de Carlos V, Doña Catalina de Portugal (Madrid, 1923) serve
como ponto de partida fundamental para o estudo de dona Catarina enquanto
rainha. A mais histórica e, até aqui, única obra abalizada sobre a regência de
dona Catarina (de 1557 a 1562) continua a ser As regências na menoridade de dom Sebastião: Elementos para uma história
estrutural, de Maria do Rosário Sampaio Themudo Barata Azevedo Cruz (Lisboa,
1992). Até 2007 nunca se escreveu uma biografia da rainha e esta yai concentrar-se
em diferentes questões e problemas». In Annemarie Jordan, A Rainha Coleccionadora,
Catarina da Áustria, tradução de Maria Romão e João Quina, Círculo de Leitores,
2012, ISBN 978-972-424-711-3.
Cortesia
do CLeitores/JDACT