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Planície
de Gizé. Egipto. 1799
«O
general Napoleão Bonaparte desmontou do cavalo e ergueu o olhar até à pirâmide.
Outras duas jaziam próximas, em sucessão, mas aquela era a mais grandiosa das
três. Que grande prémio pela sua conquista! No dia anterior, a viagem do Cairo
em direcção ao sul, passando por campos margeados por canais de irrigação
lamacentos e enfrentando um breve trilho de areia soprado pelo vento, fora
tranquila. Duzentos homens armados fizeram-lhe companhia, pois era uma atitude
imprudente aventurar-se sozinho nos confins do Egipto. Cerca de 1 quilómetro
antes, havia-se separado do seu contingente e montado acampamento para passar a
noite. O dia novamente tinha sido árido e escaldante, por isso esperara pelo
anoitecer para a sua visita. Desembarcara em terra firme havia cinco meses, próximo
a Alexandria, com 34 mil homens, mil armas de fogo, setecentos cavalos e 100
mil cartuchos de munição. Avançara rapidamente para o sul, conquistando a
cidade do Cairo, já que o seu objectivo era abalar quaisquer resistências pela
rapidez e surpresa. Depois, não muito distante dali, lutara contra os mamelucos
num glorioso conflito que havia chamado de a Batalha das Pirâmides. Esses
antigos escravos turcos haviam governado o Egipto por quinhentos anos e
proporcionavam uma tremenda visão: milhares de guerreiros, em vestimentas
coloridas, montados em garanhões exuberantes. Ainda era capaz de sentir o
cheiro da cordite e o estrondo dos canhões, de ouvir o estalido dos mosquetes e
os gritos de morte dos homens. Os integrantes das suas tropas, muitos deles
veteranos da campanha italiana, lutaram bravamente. E, com apenas duzentas
baixas no lado francês, capturara, virtualmente, o exército inimigo inteiro,
ganhando controle total do baixo Egipto. Um repórter tinha escrito que um
punhado de franceses havia subjugado um quarto do globo. Não era bem
verdade, mas soava maravilhoso. Os egípcios tinham-lhe dado a alcunha de Sultão
El Kebir, um título de respeito, disseram. Durante os 14 meses em que vinha
governando a nação como comandante-chefe, descobrira que, como os homens que
amavam o mar, ele amava o deserto. Amava, também, o estilo de vida egípcio, no
qual o carácter contava muito mais do que as posses. Acreditavam, também, na
providência. Assim como ele.
Bem-vindo,
general. Que noite magnífica para uma visita!, bradou Gaspard Monge no seu
costumeiro tom animado. Napoleão tinha apreço pelo francês, filho de um
mascate, abençoado com um rosto largo de olhos profundos e um nariz carnudo.
Apesar de instruído, Monge sempre carregava carabina e cantil e parecia ansiar
tanto pela revolução quanto pela batalha. Era um entre os 160 estudiosos,
cientistas e artistas, savants, como
a imprensa os havia rotulado, que tinham viajado com ele desde França, já que
viera em busca não só da conquista como também da aprendizagem. O seu modelo
espiritual, Alexandre, o Grande,
fizera o mesmo ao invadir a Pérsia. Monge já havia viajado com Napoleão pela Itália,
ajudando a supervisionar a pilhagem do país; logo, confiava nele. Até certo
ponto. Sabe, Gaspard, que quando eu era criança, queria estudar ciências. Durante
a revolução em Paris assisti a várias palestras de química. Mas, infelizmente,
as circunstâncias fizeram-me um oficial do Exército. Um dos trabalhadores egípcios
levou o cavalo para longe dali, mas só depois de Napoleão pegar uma bolsa de
couro. Ele e Monge estavam sozinhos agora, com a poeira luminosa dançando ao
redor da grande pirâmide. Há alguns dias, disse ,fiz uns cálculos e concluí que
essas três pirâmides possuem pedras suficientes para construir uma muralha de 1
metro de espessura e 3 de altura ao redor de Paris. Monge pareceu ponderar a
declaração. É possível que isso seja verdade, general. Sorriu diante da
evasiva. Falou como um matemático desconfiado. De modo algum. Apenas acho interessante
a maneira como vê essas construções. Não em relação aos faraós ou às tumbas
neles contidos, ou mesmo à assombrosa engenharia utilizada na sua construção. Não.
Vê-as em termos associados à França. É difícil, para mim, evitá-lo. É no que
mais penso». In Steve Berry, A Vingança em Paris, 2011, Livros d’Hoje, Grupo Leya, ISBN
978-972-204-916-0.
Cortesia
de Leya/Ld’Hoje/JDACT