«(…) Antes de conhecer Giannon, eu
tinha conhecido dois outros druidas. Um era o mestre do ritual das Leis e era
chamado para fazer julgamento em casos de roubo ou assassínio. O outro era
consultado sobre os assuntos da agricultura e do destino e que requeriam um
conhecimento profundo do calendário e do movimento das estrelas. Ambos também
conheciam alguns medicamentos, mas a minha mãe era mais conhecedora das plantas.
Estes dois druidas, e outros viajantes que passavam na nossa túath, contavam várias histórias sobre
milagres druídicos, mas eu própria nunca vi um druida a fazer aparecer
relâmpagos ou a enfeitiçar um homem segredando a uma palha e atirando-lhe a
mesma. Mas quando uma certa escuridão, como o nevoeiro negro, não justificável por
fumo ou nuvens, se abatia sobre nós, as pessoas diziam que era um truque de
druida. As histórias até se referem a batalhas travadas entre os druidas e São
Patrício, nas quais cada homem apelava à sua fonte de magia. Patrício saía
sempre vencedor e o druida ficava de alguma forma mutilado, sendo geralmente o
seu crânio esmagado pelo poder de Deus, assim como conjurado pelo nosso primeiro
Santo.
Eu já tinha ouvido falar de
Giannon, o Druida, porque ele vinha, às vezes, aconselhar o chefe e era um
mestre de palavras e histórias. Uma vez, estava eu a segurar a minha irmã mais
nova pelo pulso e a bater-lhe na perna com uma colher de pau, tal como a minha
irmã mais velha me fez muitas vezes, quando levantei os olhos e Giannon estava
ali, como se se tivesse criado a si próprio do ar. Ele olhou-me com olhos de
uma cor castanha profunda, como a do Poço das Acções de Remorso, onde os homens
envergonhados se afogam. Quando ele me viu a bater na perna da minha irmã, ele não
fez uma só pergunta, mas eu senti a necessidade de lhe dar uma resposta.
Apontando com a colher para a criança que choramingava, eu disse: ela
desobedeceu-me, porque ela tinha o hábito de me morder, coisa de que não
gostava. Giannon tirou-me a colher e bateu-me ao de leve com ela na cabeça, como
se a colher fosse um pau de teixo e ele me estivesse a lançar um feitiço.
Sorriu e eu vi que os seus dentes eram bons. Depois foi-se embora, com uma
postura peculiarmente erecta e uma passada larga. A sua capa castanha balançava
devagar, de um lado para o outro. Giannon tinha o cabelo da cor castanha
avermelhada de folhas de carvalho à beira do Inverno. Sem barba, ele tinha uma
profusão de sobrancelhas, ariscas e humorísticas, que ele parecia pentear para
fora por mania. Os seus dedos eram compridos e eu senti que, outrora, talvez
ainda nessa manhã, ele tinha sido uma árvore de ramos grossos, levantados como
braços, sendo as folhas como os farrapos de uma capa. Ele gostava muito do jogo
da malha e tinha fama nas feiras de ganhar muitos concursos. Eu já senti os
seus braços e sei que eram fortes. Nessa noite, sonhei que tinha mostrado os
meus seios a Giannon e que eles se tinham tornado grandes nas suas mãos. Quando
eu perguntei à minha mãe quais eram os poderes dele, ela disse-me que o seu
maior poder era espantar a alegria dos outros. Mas ela também me disse que ele
conseguia fazer marcações que punha nas pedras ou no couro, tal como um homem
faz o diagrama da sua casa com um pau na terra. Ela disse que, mais tarde, ele
conseguia ler estas marcações e que estas marcações podiam ser lidas por um
outro homem até anos depois daquele que as fez estar morto». In
Kate Horsley, Confissões de uma Freira Pagã, tradução de Mariana Pereira,
Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-860-518-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT