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Ela alisou e desenhou o lugar onde o medalhão deveria tocar a minha pele. Quero
usá-lo para você. E arriscar que um de nós se fure com ele? E beijei-a
novamente. Além do mais, não é seguro carregar prémios como esse por aí no
escuro. As mãos de Minette já exploravam o meu torso. Só para garantir. Eu
esperava mais coragem. Vamos fazer uma aposta. Se você ganhar, eu o trago na próxima
vez. Apostar como?, disse ela, de maneira suave e profissional. O perdedor vai
ser aquele que gozar primeiro. Ela deixou a sua cabeça deslizar pelo meu
pescoço. E as armas? Qualquer coisa que você consiga imaginar. Suavemente, eu inclinei-a
um pouco para traz, usei a perna que já estava encostada no seu calcanhar para
fazer um movimento e deitá-la na cama. En
garde. Eu venci a nossa pequena disputa, mas ela insistiu numa revanche, que eu também ganhei, assim
como a terceira rodada que a deixou gemendo. Pelo menos eu acho que ganhei, nunca
sabe quando as mulheres realmente são honestas nesse quesito, ainda mais uma
cortesã. De qualquer forma, foi o suficiente para mantê-la a dormir quando eu me
levantei, antes do amanhecer, e deixei uma moeda de prata. Antes de sair,
coloquei mais um pedaço de madeira na lareira para manter o quarto aquecido
quando ela acordasse.
O
céu cinzento foi o sinal para os lanterneiros se irem embora e, com isso, os
trabalhadores de Paris acordavam para mais um dia. Carros de lixo disparavam
pelas ruas. Homens com tábuas cobravam para fornecer pontes temporárias sobre ruas
tomadas pela água estagnada. Carregadores de água levavam os seus baldes para
as casas mais afortunadas. O meu bairro, St. Antoine, não era chique nem
desprezível. Ficava no meio termo ao acolher profissionais como artesãos,
marceneiros, chapeleiros e chaveiros. O aluguer sempre era baixo por conta do
forte cheiro que misturava o aroma das cervejarias e tinturarias. Tudo isso,
porém, era apenas mais um elemento no interminável odor parisiense de fumaça,
pão e esterco. Bastante satisfeito com a minha última noite, subi as escadarias
escuras do meu edifício com a única, e deliciosa, intenção de dormir até ao
meio-dia. Por isso, quando abri a porta e entrei no meu quarto, resolvi encontrar
o meu colchão em vez de perder tempo com velas. Mesmo sonolento, pensei se poderia
penhorar o medalhão por um valor suficiente para poder conseguir um apartamento
melhor. Já que Silano se havia interessado tanto, o seu valor poderia ser ideal
para os meus propósitos.
Então,
senti uma presença. Virei e notei uma sombra entre sombras. Quem está aí? Uma
leve brisa passou e instintivamente tentei virar-me enquanto algo zunia pelo
meu ouvido e atingiu o meu ombro. Não era algo afiado, mas a dor era intensa do
mesmo jeito. Caí de joelhos. Mas que diabos? A pancada havia deixado o meu
braço paralisado. Alguém me empurrou e caí de lado, todo desengonçado. Não
estava preparado para isso! Dei um chuto meio desesperado, acertei num
calcanhar e ouvi um grito que me causou certa satisfação. Deslizei para o lado
tentando agarrar alguma coisa. Valia tudo naquela hora. Encontrei um cinto e puxei
sem jeito. O invasor caiu no chão comigo. Mer…, ele vociferou. Levei um soco
directo no rosto enquanto agarrava o meu agressor. A ideia era livrar da minha
bainha para poder sacar a espada. Eu esperava que ele me empurrasse, mas, em vez
disso, senti uma mão apertando a minha garganta. Está com ele?, outra voz
perguntou. Quantos homens estavam ali? Até agora tinha atingido um braço, um
pescoço e acabado de acertar um safanão numa orelha. O meu adversário gemeu novamente.
Consegui virar-me e a sua cabeça bateu no chão. No meio da confusão, as minhas
pernas atingiram uma cadeira que caiu e fez um barulho enorme. Ouvi um berro do
andar de baixo: Monsieur Gage! Era a minha senhoria, a senhorita Durrell.
O que está fazendo com a minha casa? Ajude-me, gritei, ou tentei gritar. A dor
era muito forte. Rolei para o lado,
peguei minha bainha e comecei a sacar o meu florete. Ladrões! Em nome de
Cristo, pode ajudar aqui?, o meu atacante disse a seu companheiro. Estou
tentando achar a cabeça dele. Não podemos matá-lo enquanto não encontrarmos o
que viemos buscar. E, então, alguma coisa me acertou e desmaiei». In
William Dietrich, As Pirâmides de Napoleão, 2007, Grandes Narrativas, nº 490,
Editorial Presença, 2011, ISBN 978-972-234-450-0.
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