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A Cruzada Albigense
«(…) Os hereges em
questão pertenciam a uma multidão de seitas diversas, muitas sob a direcção de
um líder independente, cujo nome os seus seguidores assumiam. E, embora estas seitas
pudessem ter certos princípios comuns, divergiam radicalmente nos detalhes. Além
do mais, muita da informação provêm de que dispomos sobre os hereges deriva de fontes
eclesiásticas, tais como documentos da Inquisição (maldita).
Criar um quadro a partir de tais fontes é como tentar compreender a Resistência
Francesa a partir dos registos da SS e da Gestapo. Assim, é virtualmente
impossível apresentar um resumo coerente e definitivo do que realmente
constituiu o pensamento cátaro. Em geral, os cátaros acreditavam numa doutrina
de reencarnação e no reconhecimento de um princípio feminino de religião. Na verdade,
os pregadores e professores das congregações cátaras, conhecidos como parfaits
perfeitos, eram de ambos os sexos. Ao mesmo tempo, rejeitavam a
Igreja Católica ortodoxa e negavam a validade das hierarquias clericais, ou de
intercessores oficiais e ordenados entre Deus e o Homem. No centro desta
posição, reside um princípio importante: o repúdio da fé, pelo menos da forma como
a insistia nela.
Em lugar de uma fé
aceite em segunda mão, os cátaros insistiam no conhecimento directo e pessoal,
numa experiência religiosa ou mística apreendida em primeira mão. Esta
experiência chamava-se gnosis, termo grego para conhecimento, e para
os cátaros, tinha precedência sobre todos os credos e dogmas. Uma vez que era
colocada uma ênfase tão grande no contato pessoal e directo com Deus, os padres,
bispos e outras autoridades eclesiásticas tornavam-se supérfluas. Os cátaros
eram também dualistas. Todo o pensamento cristão podia, certamente, ser visto
como dualista, pois insistia no conflito entre dois princípios oponentes: bem e
mal, espírito e carne, alto e baixo. Mas os cátaros levavam a dicotomia muito
além do que o catolicismo ortodoxo estava preparado para aceitar. Para os
cátaros, os homens eram as espadas com as quais os espíritos lutavam, sem que
ninguém visse as suas mãos. Para eles, estava a ser travada uma guerra perpétua,
ao longo de toda a criação, entre dois princípios irreconciliáveis, luz e
escuridão, espírito e matéria, bem e mal. O catolicismo posicionava um Deus
supremo cujo adversário, o diabo, é em última análise inferior a Ele. Os
cátaros, contudo, proclamavam a existência, não de um Deus, mas de dois, com um
estatuto mais ou menos comparáveis. Um destes deuses, o bom, era inteiramente
desencarnado, um ser ou princípio de puro espírito, não maculado pela matéria. Era
o deus do amor. Mas o amor era considerado completamente incompatível com o
poder; e a criação material era uma manifestação de poder. Assim, para os
cátaros, a criação material, o mundo em si próprio, era intrinsecamente perversa.
Toda a matéria era intrinsecamente perversa. O universo, em suma, era obra de
um deus usurpador, o deus do mal, ou, como os cátaros o chamavam, Rex Mundi, Rei
do Mundo.
O catolicismo repousava
no que podia ser chamado um dualismo ético. O mal, embora saído talvez do diabo,
manifesta-se primariamente através do homem e de suas acções. Em contraste, os cátaros
viam a realidade totalmente impregnada de uma forma de dualismo cosmológico.
Esta era, para eles, uma premissa básica, mas a resposta variava de seita para
seita. Segundo alguns cátaros, a finalidade da vida do homem na Terra era o de
transcender a matéria, renunciar para sempre a qualquer coisa relacionada com o
princípio do poder, conseguindo assim uma união com o princípio do amor. Segundo
outros, o propósito do homem era reclamar e recuperar a matéria,
espiritualizá-la e transformá-la. É importante notar a ausência de qualquer
dogma, doutrina ou teologia fixas. Tal como na maioria dos desvios à ortodoxia
estabelecida, há apenas algumas certas atitudes definidas de maneira vaga, e as
obrigações morais subordinadas a estas atitudes estavam sujeitas a uma
interpretação individual». In Michael Baigent, Eichard Leigh, Henry
Lincoln, The Holly Blood and The Holy Grail, 1982, O Sangue de Cristo e o Santo
Graal, tradução de Elsa Vieira, Editora Livros do Brasil, Colecção o Despertar
dos Mágicos, Lisboa, 2004, ISBN 972-382-651-8.
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