Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Não! Ansiosa, rasgou o envelope, e a parte de cima esvoaçou até ao chão, aterrando
perto de um vaso de ave-do-paraíso junto à porta. O frasco prateado da sua avó
estava aninhado dentro do grosso pacote e um lenço branco com um rendado
delicado havia sido amarrado em volta dele. Não!, repetiu. Subiu correndo os
lances de escada, um tanto desnorteada. Entrou no apartamento como um furacão,
agarrou o telefone móvel e na mesma hora ligou para a avó. Onde está?,
sussurrava, enquanto continuava ouvindo o toque do outro lado. Atenda o
telefone. Por favor, por favor. Atenda. Ligou várias vezes para os dois números
de Maylene, mas nem o telefone de casa nem o móvel, que a própria neta havia
insistido que a avó comprasse, respondiam. Segurou o frasco entre as mãos. Ele
nunca estivera longe de Maylene desde que Rebbekah se entendia por pessoa.
Quando saía de casa, ele ia dentro da bolsa. No jardim, ficava num dos bolsos
fundos do avental. Em casa, o seu lugar era na bancada da cozinha ou na mesinha
de cabeceira. E a cada funeral que Rebbekah havia comparecido junto com a avó,
lá estava ele.
Rebbekah
adentrou o quarto escuro. Sabia que Ella estava pronta para ser enterrada, mas
o velório só começaria dali a uma hora. Fechou a porta com o maior cuidado,
tentando ficar em silêncio, e foi até ao final do quarto. As lágrimas escorriam
pelo rosto, pingando no vestido. Não faz mal chorar, Beks. Ela passou os olhos
pelo quarto escuro, detendo-se nas cadeiras e nos arranjos de flores, até que
viu a avó sentada numa poltrona confortável localizada num canto. Maylene... Eu
não... Pensei que eu estivesse sozinha com..., olhou para Ella, com... Achei
que apenas ela estivesse aqui. Ela definitivamente não está aqui, disse
Maylene, sem desviar a atenção para Rebbekah nem sair da poltrona. Permaneceu
na sombra, com o olhar fixo na sua neta de sangue, em Ella. Ela não podia ter
feito isso, desabafou Rebbekah. Naquele momento sentia raiva de Ella. Não
confessaria a ninguém, mas sentia. O suicídio fez todo mundo chorar, embaralhou
tudo. Julia, a mãe de Rebbekah, ficou louca: passou a vasculhar o quarto dela
em busca de drogas, ler o seu diário e vigiá-la de perto. Jimmy, o seu
padrasto, começou a beber no dia em que Ella foi encontrada e, pelo visto,
ainda não tinha parado.
Venha
cá, murmurou Maylene, no meio da escuridão. Rebbekah foi até lá e deixou que a
avó a enlaçasse num abraço perfumado de rosas. Ela afagou o cabelo da neta e
proferiu palavras delicadas, numa língua desconhecida. Foi aí que Rebbekah
derramou todas as lágrimas que estava segurando até então. Quando ela parou,
Maylene abriu uma enorme bolsa e tirou de dentro um frasco prateado, gravado
com rosas e parreiras que se enroscavam formando duas iniciais: A. B. Remédio
amargo, explicou Maylene, inclinando o frasco para dar um gole. Em seguida ofereceu-o
a Rebbekah. Com a mão trêmula e húmida de suor e muco, ela pegou-o e bebeu um
pouco do líquido. Começou a tossir ao sentir uma queimar a propagar-se da
garganta em direcção ao estômago. Não é sangue do meu sangue, mas é tão minha
quanto ela era, disse Maylene enquanto se levantava e pegava o recipiente de
volta. E agora mais ainda. Ela ergueu o frasco, como se estivesse fazendo um
brinde, e disse: dos meus lábios para os seus ouvidos, seu canalha. Enquanto
bebia uísque, apertava a mão de Rebbekah. Ela foi muito amada e continuará sendo.
Maylene olhou então para a neta, estendendo o frasco. Em silêncio, Rebbekah bebeu
uma segunda vez.
Se
algo me acontecer, cuide do túmulo dela, cuide durante três meses. Da mesma
forma como quando vai comigo, tome conta dos túmulos, implorou Maylene, com a
voz firme, apertando mais forte a mão de Rebbekah. Prometa. Prometo, respondeu
ela, sentindo o coração acelerar. Está doente? Não, mas sou uma velha senhora, retrucou,
largando a mão de Rebbekah para tocar em Ella. Pensei que você e Ella Mae
iriam..., emendou, balançando a cabeça. Preciso de si, Rebbekah. Claro,
assegurou a neta, com certo tremor. Três goles para garantir. Nem um a mais nem
um a menos, afirmou Maylene e estendeu o frasco pela terceira vez. Três nos
seus lábios durante o enterro. Três na terra por três meses. Entendeu? Assentindo
com a cabeça, Rebbekah deu o terceiro gole. Enquanto isso, Maylene inclinava-se
para beijar a testa de Ella. Agora durma. Consegue ouvir-me? Durma bem, minha
garota, e permaneça onde eu a deixar». In Melissa Marr, A Guardiã, tradução de
Débora Fleck, Editora Rocco, Wikipédia, 2011/2012, ISBN 978-853-252-776-9.
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de ERocco/JDACT