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de wikipedia e jdact
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No panorama da arquitectura doméstica portuguesa aqueles dois paços, edificados
na mesma região, quase que em simultâneo, são peças únicas, jamais repetidas ou
sequer imitadas, tanto no que respeita ao seu modelo global, como aos curiosos
elementos, os beccatelli, que singularmente as identificam e que
constituem uma espécie de imagem de marca do seu proprietário. É certo que
encontrámos alguns exemplos posteriores que parecem de alguma forma ter
recebido influência destas obras. Mas nunca mais foram vistas mísulas
piramidais a apoiar varandas/balcões ou a coroar construções, pátios interiores
com colunas e capitéis jónicos ou uma acção arquitectónica global sobre um
pequeno aglomerado urbano. A acção do 4º conde de Ourém e marquês de Valença, é
no século XV excepção à regra, enquanto a nobreza portuguesa continuava a
construir as suas torres ou modestos paços sobradados, Afonso, nos seus
domínios ergueu dois edifícios de feição e estilo gótico erudito que se
afirmaram na paisagem e se impuseram no local, repletos de novos elementos,
curiosas novidades que o seu cosmopolitismo e cultura permitiu apreciar e a sua
fortuna adquirir.
O conde
de Ourém conheceu boa parte da Europa, o Próximo Oriente e algumas das recém-conquistadas
praças portuguesas do norte de África. E se atendermos que estadeou em Londres,
em várias cidades da Flandres (Brujes, Gant) e talvez noutras da Borgonha, dos
reinos ibéricos (Toledo, Valência, Barcelona), de Itália (Pisa, Florença,
Bolonha, Milão, Siena, Roma, Veneza) e do norte da Europa (Basileia,
Estrasburgo, Bona, Colónia) tendo chegado a Jerusalém (com passagem pelo Cairo
e Damasco), certo é concluirmos que conhecia as mais importantes, desenvolvidas
e influentes cidades do mundo civilizado de então. Pelos dados e documentos
relativos às viagens que Afonso realizou foi-nos possível definir, relativamente
a cada uma delas, o respectivo roteiro, encontros e contactos estabelecidos,
bem como a cronologia dos périplos realizados. E dos relatos que chegaram até
nós, de dois deles, ida a Basileia em 1436/7 e a Itália em 1452, poderemos
inclusivamente presumir interesses, gostos e temperamento, até. A primeira
viagem que o 4º conde de Ourém realizou levou-o à Flandres, para o casamento de
sua tia, a Infanta dona Isabel com o duque da Borgonha. A viagem foi feita por
mar e o percurso, entre Lisboa e os territórios de Filipe-o-Bom passou por Vigo, Ribadeo (um pequeno porto no Golfo da Biscaia) e Plymouth. Em Inglaterra Afonso terá
estadeado, pelo menos em Londres.
Seguiu depois para a Flandres aportando a Éclusa (devido ao progressivo assoreamento do Zwin, a partir do
sinal do século XV, Éclusa foi perdendo importância como porto exterior que
servia Bruges, levando a que Antuérpia passasse a ser, no início do século XVI,
a nova capital do comércio flamengo; desde meados do século XIX, Éclusa ficou
isolada do mar para sempre; situada junto à fronteira da Bélgica, pertence
actualmente ao território holandês e é designada por Sluis que em flamengo
também quer dizer éclusa/comporta), mesmo no final de 1429. Depois da
cerimónia do casamento que se realizou naquele porto no dia 7 de Janeiro de
1430 e dos festejos que se realizaram em Brujes, a comitiva portuguesa que o conde de Ourém integrava, terá
viajado durante os primeiros meses daquele ano, ao que parece com os duques
pelos seus territórios, num périplo que terá passado por Gant, Lille, Arras, Perone, Noyon, Bruxelas e Malines. Não se sabe mesmo se não terá
chegado a ir até à cidade de Nuremberga.
Desconhecemos
o tempo que demorou esta viagem, mas há indícios que indicam que talvez em
Setembro/Outubro de 1430 o seu regresso se tenha verificado (a 24 de Outubro de
1430, o 4º conde de Ourém solicitou ao papa um indulto para absolvição de todos
os pecados e indulgência plenária, a que se juntou o mesmo pedido de dona Beatriz,
condessa de Arundel e dona Constância, segunda mulher do seu pai; julgamos que
este pedido terá sido expedido já de Portugal; o conde de Ourém Afonso,
sobrinho do rei de Portugal, pede o indulto para qualquer confessor o absolver
de todos os pecados em artigo de morte e de lhe conceder a indulgência
plenária, continuando o efeito de absolvição, mesmo que não morra; solicitam o
mesmo indulto dona Beatriz, viúva e condessa de Arundel, filha do rei de
Portugal, e a mulher do conde de Barcelos dona Constânça), quase um ano depois
sobre a data da partida. Esta primeira viagem do conde de Ourém e tudo o que
aconteceu em volta dela, contactos diplomáticos, participação em recepções,
cortejos régios, banquetes e festas, visitas a cidades, consideradas na época,
as mais cosmopolitas e desenvolvidas tanto comercial como artisticamente,
permitiram-lhe a visualização de um mundo, para ele totalmente novo, diferente,
admirável que, decerto, lhe terá despertado interesses artístico-culturais.
Beleza, grandiosidade, requinte e luxo eram características da corte e da
segunda água de rosas para quem se quisesse refrescar. D. Isabel assistiu de
uma das varandas do Groote Markt ou Beffroi des Halles, na praça
principal de Brujes, às justas e torneios, feitos em sua honra para comemorar o
casamento. borgonhesa. O relato da entrada em Bruges, descreve um monumental
cortejo, que demorou duas horas a atravessar a cidade que estava toda engalanada,
das janelas dos edifícios pendiam tapeçarias e panos coloridos, e onde os
intervenientes se apresentavam ricamente vestidos com fatos de seda, veludo,
cetim, damasco e os servidores do duque, com o seu emblema bordado nas vestes,
todos os dias, enquanto duraram as festas comemorativas do enlace, vestiam
roupas de cor diferente. Filipe-o-Bom tinha mandado ampliar e redecorar a sua
residência especialmente para aquela ocasião. O palácio de Prinsenhof (desta
importante residência dos duques da Borgonha, em Bruges, hoje praticamente nada
resta; constituída por um vasto conjunto de edifícios sofreu vários incêndios; as
sucessivas reconstruções alteraram profundamente a sua feição medieval;
Actualmente, 3 edifícios já do século XIX, ocupam o recinto; uma operação de
reabilitação do local motivou a realização de sondagens arqueológicas, durante
o ano de 2004, que trouxeram à luz do dia estruturas de suporte, fundações e
sistemas de esgotos, bem como conseguiram identificar ainda de pé, parte de uma
parede do donjon do antigo palácio ducal e um pequeno edifício daquele
conjunto), no coração de Bruges, deveria apresentar-se mais belo do que nunca:
uma nova sala, em madeira, foi propositadamente construída para as festas e não
faltariam novidades artísticas, tanto em termos arquitectónicos como do
respectivo recheio, tapeçarias, peças de ourivesaria, talvez mesmo pinturas. O
banquete foi servido em baixela de ouro e prata. No exterior da residência
régia foi montada uma fonte, em forma de leão, o leão da Flandres, de onde
jorrava vinho à descrição; dentro do pátio do palácio, junto à nova sala onde
se realizou o banquete, de outras duas, um cervo e um unicórnio
respectivamente, jorravam, da primeira, alternadamente, vinho e licor de hipocraz
(bebida quente, composto de canela e amêndoa moídas, misturado com aguardente e
açucar) e da segunda água de rosas para quem se quisesse refrescar. Dona Isabel
assistiu de uma das varandas do Groote Markt ou Beffroi des Halles,
na praça principal de Brujes, às justas e torneios, feitos em sua honra para
comemorar o casamento». In Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º
conde de Ourém, Revista Medievalista, director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto
de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.
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