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de wikipedia e jdact
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Bruges, no início do século XV, era ainda uma importantíssima cidade mercantil.
Nela se cunhava moeda e tinha residência a corte. Artisticamente era também
muito desenvolvida. Em 1430 Afonso deverá ter visto nesta sua estada uma bela e
curiosa cidade, atravessada por canais bordejados de casas de feição
completamente diversa da que estava habituado a ver. Na praça principal da
cidade situavam-se inúmeros edifícios civis cuja imponência muito devem ter
impressionado o 4º conde de Ourém: o já referido Beffroi, construído por volta
de 1300, a que faltava ainda a torre quadrangular que o rematou, e os
edifícios, sede das numerosas guildas, que rodeavam a praça, elementos
fundamentais da vida económica, política e social da urbe. Também o palácio
comunal estava já edificado. Bela peça de arquitectura gótica do século XIV é
actualmente um dos mais antigos edifícios da cidade. A Igreja de Nossa Senhora
estava também já erguida, mas decerto, a que maior curiosidade despertou em
Afonso terá sido a Basílica do Santo Sangue, o mais antigo edifício religioso
de Bruges, construída no século XII e que albergava a referida relíquia (Afonso
possuía inúmeras relíquias que estavam na Colegiada de Ourém; após o terramoto,
as que foi possível recuperar dos escombros da igreja foram distribuídas pelas igrejas
das freguesias de Ourém).
Afonso
e parte da comitiva portuguesa presidida pelo infante Fernando, terão
acompanhado os duques na viagem pela Flandres. E nas cidades e castelos
visitados, não deverão ter faltado recepções e festas, onde a magnificência da
corte borgonhesa se continuou a afirmar. A este propósito convém realçar que o
duque da Borgonha possuía em Gant, primeira paragem daquele périplo, um
imponente castelo fundado no século X e ampliado no século XII, Gravensteen,
onde, decerto, dona Isabel e o marido devem ter ficado alojados e onde novas
festas se realizaram. Nesta cidade estava já erguida a magnífica catedral
gótica, dedicada a S. João, mais tarde consagrada a S. Bavão, e o Lakenhalle,
mercado das lãs, situado na praça da catedral, que em 1430, andava em
construção. O deslumbramento deve ter sido total pelo que, mesmo sem qualquer
referência documental que o confirme, não é difícil ajuizarmos que Afonso nunca
mais deverá ter esquecido os dias passados na Borgonha e de tudo quanto, nesta
que foi a sua primeira saída de Portugal, lhe foi proporcionado ver e admirar.
A
segunda missão diplomática levou-o, ao que tudo indica, a um território mais
próximo, sendo segura a sua presença em Aragão, provavelmente em Barcelona, no
Verão de 1431, como o atestam cartas do respectivo monarca dirigidas aos
monarcas Duarte e João I datadas de 22 de Setembro e 20 de Outubro,
respectivamente. O secretismo da missão de que ia incumbido impede-nos de saber
mais: em que data partiu, que caminho tomou, onde estadeou, com quem se
encontrou e quando regressou a Portugal (no dia 1 de Novembro desse ano, 1431,
morreu Nuno Álvares Pereira, avô de Afonso; apesar de não existirem referências
quanto à sua presença durante as exéquias, cujos relatos de Fernão Lopes e do
anónimo biógrafo da Crónica do Condestável são pouco detalhados, parece-nos
provável que, se estava ausente, quando soube da notícia, tudo tenha feito para
regressar o mais depressa possível a Portugal, portanto, ainda no final de 1431).
Barcelona era no início do século XV, um importante entreposto comercial e do
seu porto saíam regularmente embarcações que atravessavam o Mediterrâneo
estabelecendo a ligação à costa francesa e à península itálica. A viagem
Barcelona-Livorno por mar era a forma mais rápida de atingir aquele destino.
Barcelona era portanto uma cidade bastante desenvolvida, possuidora de notáveis
edifícios. Nesta altura Afonso poderá ter visto o Palácio comunal (Palau de
la Generalitat), cuja feição gótica é actualmente apenas visível no pátio
interior, que data de 1416 e tem traça de Marc Safont, o Palácio Real (Palau
Reial Major), residência dos condes-reis da cidade desde o século XIII e
que foi construído incorporando a antiga muralha romana, sendo o actual
campanário parte de uma torre de vigia. Outro edifício de carácter civil que
muito provavelmente Afonso viu foi a Llotja (bolsa de mercadorias),
construída no final do século XIV como sede do Consolat de Mar (o edifício medieval foi totalmente
remodelado no final do século XVIII: no piso térreo foi instalada a bolsa da
cidade e nos andares superiores funcionou, entre 1849 e 1970, a Escola de Belas
Artes de Barcelona, que Picasso e Miró frequentaram; alberga actualmente a
Biblioteca Pública e repartições do estado). Próximo situava-se a Igreja
de Stª Mª del Mar, eregida também no século XIV com planos de Bérenguer
Montagut. A Catedral, apesar de só ter sido concluída no século XIX, já estaria
globalmente edificada, uma vez que o início da sua construção, que assentou
sobre os vestígios de um templo romano e de uma mesquita mourisca, remonta ao
início do século XIV pelo que deverá ter sido visitada pelo 4º conde de Ourém.
A
viagem mais longa que o 4º conde de Ourém realizou, não só pelo percurso
efectuado como pelo tempo que demorou, na que foi a sua terceira saída de
Portugal, foi a primeira missão em que aparece oficialmente nomeado para a
chefiar: a ida ao Concílio de Basileia. A comitiva, que era extensa, 124 ou 125
pessoas, saiu de Lisboa no dia 11 de Janeiro de 1436 (o ano da saída de
Portugal, nas fontes que consultámos não recolhe unanimidade; uns consideram
1435, Duarte Nunes Leão, Caetano Sousa e Montalvão Machado, enquanto outros, o
ano seguinte, António Pereira Figueiredo, Damião Peres, Lita Scarlati, Aida
Dias e Joel Serrão no Dicionário de História de Portugal, aponta as duas
datas, em 2 artigos diferentes: no relativo a Diogo Mangancha, afirma ter este
estado no Concílio em 1436-37; mas no de Vasco Lucena diz que este célebre
jurista acompanhou aquela embaixada em 1435. A razão para apontarmos com toda a
certeza o ano de 1436, como ano da partida de Lisboa, prende-se com o seguinte
facto devidamente documentado: o conde de Ourém pediu ao rei Duarte I para hir
fora do regno, a veer tera onde se entom for[a] como ficou registado no
texto de frei João Álvares [Obras, edição crítica com introdução e notas
de Avelino Almeida Calado, Coimbra, 1960]; a mesma obra situa a data deste pedido
por alturas da chegada do abade Gomes, a Portugal, com a Bula da Cruzada [obtida
do papa pelo 4º conde de Ourém, na sua passagem por Bolonha onde se encontrava
a corte pontifícia, antes de integrar os trabalhos do Concílio em Basileia, e
que foi expedida a 8 de Setembro de 1436], que ocorreu em princípios de 1437 em
pleno período de preparativos para expedição de Marrocos [in Damião
Peres, História de Portugal]; fica assim clara a cronologia da viagem:
saída de Lisboa em Janeiro de 1436; estada em Bolonha para negociações com o papa,
entre 24 de Julho e 10 de Outubro do mesmo ano; expedição da bula a 8 de
Setembro; chegada do abade Gomes no início de 1437). e o 4º conde de
Ourém só deve ter regressado a Portugal nos primeiros dias de Novembro de 1438,
tendo estado, portanto, em viagem, durante quase três anos. Julgamos mesmo
possível, que tencionasse estar fora mais tempo, mas a morte do rei Duarte I a
9 de Setembro de 1438 terá, talvez, antecipado o regresso». In
Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista, director
Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT,
2006, ISSN 1646-740X.
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