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No
Oriente
«(…)
A impressão que o poeta sentiu conhecemo-la pela égloga 1.ª. O seu coração de patriota
sobresaltou-se com o receio de que o barbaro
cultor viesse arar os campos da pátria:
E praza
a Deus que o triste e duro fado
De tamanhos
desastres se contente;
Que sempre
um grande mal inopinado
É mais
do que o espera a incauta gente:
Que vejo
este carvalho que queimado
Tão gravemente
foi do raio ardente;
Não seja
ora prodigio que declare
Que o
bárbaro cultor meus campos are.
É verdade
que Umbrano responde ao seu interlocutor Frondelio:
Emquanto
do seguro azambujeiro
Nos pastores
de Luso houver cajados,
Com o
valor antiguo, que primeiro
Os fez
no mundo tão assinalados,
Não temas
tu, Frondelio companheiro,
Que em
algum tempo sejam subjugados,
Nem que
a cerviz indómita obedeça
A outro
jugo qualquer que se lhe offreça.
E,
posto que a soberba se levante
De inimigos,
a torto e a direito,
Não crêas
tu que a força repugnante
Do fero
e nunca já vencido peito.
Que desde
quem possue o monte Atlante
Adondc
bebe o Hydaspe tem sujeito,
O possa
nunca ser de força alheia,
Emquanto
o sol a terra e o ceu rodeia.
Frondelio,
porém, não se mostra tão optimista e responde:
Umbrano,
a temerária segurança,
Que em
força ou em razão não se assegura,
É falsa
e vã, que a grande confiança
Não é
sempre ajudada da ventura!
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E, se
altentares bem os grandes danos
Que se
nos vão mostrando cada dia,
Porás
freio também a esses enganos,
Que te
está figurando a ousadia.
E,
mais adeante, o próprio Umbrano reproduz assim os queixumes que ouvia a uma das
nymphas que, perto dum tumulo, envolviam brandamente em ricos pannos um novo infante:
Uma,
que dentre as outras se apartou,
Com gritos
que a montanha entristeceram,
Diz que,
despois que a morte a flor cortou,
Que as
estrellas somente mereceram.
Este
penhor carissimo ficou
Daquelle
a cujo império obedeceram
Douro,
Mondego, Tejo e Guadiana,
Até o
remoto mar da Taprobana.
Diz
mais que, se encontrar este menino
A noite
intempestiva, amanhecendo,
O Tejo,
agora claro e crystallino,
Tornará
a fera Alecto em vulto horrendo.
Mas que,
a ser conservado do destino.
As benignas
estrellas promettendo
Lhe estão
o largo pasto de Ampelusa,
Co monte
que em mau passo viu Medusa.
E o triste
presentimento do poeta realizou-se, embora em condições differentes das que elle
receava. Quando desceu ao tumulo, 10 de Junho de 1580, o maior de
todos os portugueses já não tinha duvidas sobre os tristes destinos da pátria
(é bem conhecida a passagem da carta que elle escreveu pouco tempo antes de morrer:
assi
acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado á minha pátria, que não só me
contentei de morrer nella, mas com ella. Outra noticia, que
profundamente feriu o coração do poeta: o seu joven e querido amigo, António Noronha,
o apaixonado adorador de dona Margarida da Silva, estes amores, contrariados
pela familia de António, eram tambem mal correspondidos pela formosa menina, a Silvana da egloga 4.ª. O joven fidalgo, ainda
parente da família real, foi enviado para Ceuta, onde em breve encontrou morte gloriosa,
havia sido morto pelos mouros, em uma emboscada, nas imediações de Ceuta, no dia
18 de Abril do anno anterior, isto é, pouco depois de o poeta haver embarcado. Eis
alguns dos bellos e sentidos versos em que Camões manifestou a sua dor pelo
infausto acontecimento:
Frondelio
... O
grande curral, seguro e forte,
Do alto
monte Atlas não ouviste
Que
com sanguinolenta e fera morte
Despovoado
foi por caso triste?
Oh triste
caso! Oh desastrada sorte,
Contra
quem força humana não resiste!
Que alli
também da vida foi privado
O meu
Tionio, ainda em flor cortado!
Umbrano
Em lagrimas
me banha rosto e peito
Desse
caso terrivel a memoria,
Quando
vejo quão sábio e quão perfeito
E quão
merecedor de longa historia
Era esse
teu pastor, que sem direito
Deu ás
parcas a vida transitória.
Mas não
ha hi quem de herva o gado farte,
Nem de
juvenil sangue o fero Marte».
In José Maria Rodrigues, Camões e a
Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761
06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1
Robarts/.
Cortesia
do AHistórico/UCoimbra/JDACT