domingo, 29 de maio de 2016

Camões. A Infanta dona Maria. José Maria Rodrigues. «Mas que, a ser conservado do destino. As benignas estrellas prometendo lhe estão o largo pasto de Ampelusa, co monte que em mau passo viu Medusa»

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No Oriente
«(…) A impressão que o poeta sentiu conhecemo-la pela égloga 1.ª. O seu coração de patriota sobresaltou-se com o receio de que o barbaro cultor viesse arar os campos da pátria:

E praza a Deus que o triste e duro fado
De tamanhos desastres se contente;
Que sempre um grande mal inopinado
É mais do que o espera a incauta gente:

Que vejo este carvalho que queimado
Tão gravemente foi do raio ardente;
Não seja ora prodigio que declare
Que o bárbaro cultor meus campos are.

É verdade que Umbrano responde ao seu interlocutor Frondelio:

Emquanto do seguro azambujeiro
Nos pastores de Luso houver cajados,
Com o valor antiguo, que primeiro
Os fez no mundo tão assinalados,

Não temas tu, Frondelio companheiro,
Que em algum tempo sejam subjugados,
Nem que a cerviz indómita obedeça
A outro jugo qualquer que se lhe offreça.

E, posto que a soberba se levante
De inimigos, a torto e a direito,
Não crêas tu que a força repugnante
Do fero e nunca já vencido peito.

Que desde quem possue o monte Atlante
Adondc bebe o Hydaspe tem sujeito,
O possa nunca ser de força alheia,
Emquanto o sol a terra e o ceu rodeia.

Frondelio, porém, não se mostra tão optimista e responde:

Umbrano, a temerária segurança,
Que em força ou em razão não se assegura,
É falsa e vã, que a grande confiança
Não é sempre ajudada da ventura!
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E, se altentares bem os grandes danos
Que se nos vão mostrando cada dia,
Porás freio também a esses enganos,
Que te está figurando a ousadia.

E, mais adeante, o próprio Umbrano reproduz assim os queixumes que ouvia a uma das nymphas que, perto dum tumulo, envolviam brandamente em ricos pannos um novo infante:

Uma, que dentre as outras se apartou,
Com gritos que a montanha entristeceram,
Diz que, despois que a morte a flor cortou,
Que as estrellas somente mereceram.

Este penhor carissimo ficou
Daquelle a cujo império obedeceram
Douro, Mondego, Tejo e Guadiana,
Até o remoto mar da Taprobana.

Diz mais que, se encontrar este menino
A noite intempestiva, amanhecendo,
O Tejo, agora claro e crystallino,
Tornará a fera Alecto em vulto horrendo.

Mas que, a ser conservado do destino.
As benignas estrellas promettendo
Lhe estão o largo pasto de Ampelusa,
Co monte que em mau passo viu Medusa.

E o triste presentimento do poeta realizou-se, embora em condições differentes das que elle receava. Quando desceu ao tumulo, 10 de Junho de 1580, o maior de todos os portugueses já não tinha duvidas sobre os tristes destinos da pátria (é bem conhecida a passagem da carta que elle escreveu pouco tempo antes de morrer: assi acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado á minha pátria, que não só me contentei de morrer nella, mas com ella. Outra noticia, que profundamente feriu o coração do poeta: o seu joven e querido amigo, António Noronha, o apaixonado adorador de dona Margarida da Silva, estes amores, contrariados pela familia de António, eram tambem mal correspondidos pela formosa menina, a Silvana da egloga 4.ª. O joven fidalgo, ainda parente da família real, foi enviado para Ceuta, onde em breve encontrou morte gloriosa, havia sido morto pelos mouros, em uma emboscada, nas imediações de Ceuta, no dia 18 de Abril do anno anterior, isto é, pouco depois de o poeta haver embarcado. Eis alguns dos bellos e sentidos versos em que Camões manifestou a sua dor pelo infausto acontecimento:

Frondelio
... O grande curral, seguro e forte,
Do alto monte Atlas não ouviste
Que com sanguinolenta e fera morte
Despovoado foi por caso triste?

Oh triste caso! Oh desastrada sorte,
Contra quem força humana não resiste!
Que alli também da vida foi privado
O meu Tionio, ainda em flor cortado!

Umbrano
Em lagrimas me banha rosto e peito
Desse caso terrivel a memoria,
Quando vejo quão sábio e quão perfeito
E quão merecedor de longa historia

Era esse teu pastor, que sem direito
Deu ás parcas a vida transitória.
Mas não ha hi quem de herva o gado farte,
Nem de juvenil sangue o fero Marte».
In José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761 06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.

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