jdact
Feira
de São Pedro. Shrewbury. Agosto de 1148
«No
dia em que Brunin FitzWarin encontrou os homens que iriam mudar e moldar a sua vida,
tinha dez anos e vagueava sozinho pelas tendas da Feira de São Pedro. Mark, o sargento
do pai que deveria vigiá-lo, tinha-se deixado distrair por um jarro cheio e a robusta
filha do taberneiro de uma das tendas de bebidas. Cada vez mais aborrecido com os
galanteios do homem, Brunin resolvera explorar sozinho as tendas. Era um rapaz
magricela de pele cor de azeitona e olhos de um castanho tão escuro que pareciam
pretos, daí a sua alcunha, visto o seu verdadeiro nome ser Fulke, tal como o
pai. Os seus cinco irmãos tinham pele clara como os progenitores. Diziam os mais
caridosos que ele tinha ido buscar aquele ar a um seu antepassado, um mercenário
de Lorena de origens duvidosas. Os menos generosos sussurravam que era uma criança
que tinha sido trocada pelas fadas das montanhas de Gales. Brunin passou por uma
tenda de comida onde bolos de aveia cozinhavam sobre uma grelha para depois
serem vendidos aos visitantes. Uma mulher tinha comprado vários e distribuía os
mesmos pelos seus numerosos filhos. Exasperada, ralhou com um deles mas, pouco depois,
fez-lhe uma festa na cabeça. Apercebendo-se do olhar guloso de Brunin, sorriu, partiu
um bocado do bolo que ainda restava e ofereceu-lhe um pouco como se estivesse a
alimentar um ser selvagem. Brunin abanou a cabeça e afastou-se rapidamente. Não
tinha sido o bolo de aveia que tinha provocado o seu olhar.
Jarros
e púcaros!, gritou um comerciante aos seus ouvidos. Canecas e panelas! Os melhores
artigos de Stamford e Nottingham! O homem agitava no ar um jarro vidrado verde com
um rosto sorridente gravado no bico. Com faces vermelhuscas e um ar belicoso, uma
dona de casa roliça discutia vigorosamente com o ajudante deste em relação ao preço
de uma panela. Todos os Verões, e durante três dias, os comerciantes
deslocavam-se até Shrewsbury e exibiam a sua mercadoria à sombra da grande abadia
beneditina de São Pedro e São Paulo. Nem mesmo a confusão provocada pela guerra
civil entre os apoiantes do rei Estevão e da imperatriz Matilde faziam decrescer
o entusiasmo das pessoas em relação a bons preços e raridades. O pai de Brunin dizia
que, quanto mais não fosse, a agitação tornava a feira ainda mais popular
porque os homens podiam encontrar aliados e discutir assuntos importantes,
embora os outros pensassem que estavam à procura de produtos para o dia-a-dia.
Era ali
que estava agora o seu pai, a falar com velhos amigos, e era por isso que Mark
tinha ficado encarregue de olhar por ele. Era suposto encontrarem-se com FitzWarin
na feira dos cavalos quando o sino da abadia batesse as seis horas. Brunin ia comprar
um novo pónei porque já estava demasiado crescido para montar o baio galês que o
servia desde que tinha seis anos. Pernas de aranhiço, tinha-lhe chamado a avó na
semana anterior, como se o seu repentino crescimento fosse um pecado. As várias
línguas utilizadas naqueles negócios entravam-lhe pelos ouvidos vindas de todos
os cantos. O latim e o francês dos criadores mais abastados eram-lhe
familiares. Aqui e acolá, uma voz galesa sobrepunha-se à algaraviada do inglês.
Brunin falava uma mistura pouco fluente das duas, mas nunca na presença da avó,
a menos que pretendesse deliberadamente aborrecê-la. As tendas dos tecidos estavam
a abarrotar de mulheres que olhavam e mexiam, discutiam, desejavam e por vezes
compravam tecidos. A mãe de Brunin tinha um vestido de seda no mesmo tom dourado-avermelhado
que um dos rolos pousados sobre a bancada da barraca. Tinha-o visto na arca de roupa
da mãe mas ela raramente o vestia. Uma vez tinha-lhe dito, com um olhar distante,
que se tratava do seu vestido de noiva.
Brunin
deteve-se junto à carroça de um comerciante para acariciar uma ninhada de
cachorros de caça malhados. O comerciante também tinha um casal de pequenos cães
com pêlo longo e sedoso e com fitas coloridas atadas à volta do pescoço. O seu ganir
feria os ouvidos de Brunin. Tentou imaginar o pai a tratar daqueles ratos de colo
e sorriu só de pensar nessa imagem. FitzWarin só gostava de cães de caça, quanto
maiores, melhor. Dirigindo-se lentamente para a feira dos cavalos, Brunin pensava
se desta vez conseguiria arrastar o olhar do pai para um pónei malhado ou todo preto,
algo que sobressaísse no meio dos vulgares cavalos alazões e castanhos. Claro que
as cores invulgares eram mais dispendiosas e, se o preço não fosse razoável, o pai
iria recusar-se a comprar. Para chegar à feira dos cavalos, Brunin tinha de percorrer
um atalho pelo meio das tendas dos ferreiros. A visão das lâminas brilhantes das
espadas, dos martelos, punhais, escudos, cotas, elmos e variados equipamentos dos
guerreiros, conquistou o seu olhar e imaginação. Ali estava uma faca numa
bainha de pele trabalhada, tal como aquela que Mark usava à cintura, ali uma espada
com punho entrançado a vermelho e uma inscrição em latim ao longo do sulco em
relevo. Brunin até se babava só de ver tudo aquilo. Às vezes retirava a espada do
pai da bainha e fingia ser o grande guerreiro Roland, a defender a passagem de Roncesvalles
contra os infiéis.
À avó
tinha-o apanhado uma vez e zangou-se por ele ter deixado a marca pegajosa dos
dedos na lâmina polida. A partir daí, tornou-se mais circunspecto e, nunca esquecendo
as palavras dela, limpava sempre a lâmina da espada à túnica antes de a voltar a
arrumar. Um nobre e o seu séquito aproximaram-se da tenda onde Brunin estava a ver
as armas e começaram a inspeccionar as espadas. Brunin observou o nobre
enquanto este avaliava a lâmina que o artesão lhe mostrava. Têm um bom equilíbrio,
disse o nobre. O punho é um pouco curto. Não quero perder as extremidades dos
meus dedos na batalha. Agitou a espada no ar, testando a sensação, depois girou
habilmente a lâmina para trás antes de a passar aos seus homens para obter uma
opinião. Se gostar da lâmina, posso mudar o punho, senhor, disse o comerciante.
Ou então tenho esta aqui. Apresentou outra espada, esta com o punho revestido com
pele rosada e macia». In Elizabeth Chadwick, Sombras e Fortalezas,
2004, Edições Chá das Cinco, 2009, ISBN 978-989-803-259-1.
Cortesia
de ECdasCinco/JDACT