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Ninguém
sabe mentir tão elegantemente como a rainha (1775-1780)
«(…)
Não obstante as críticas que o Tratado de El Pardo gerou na corte portuguesa
quase imediatamente após a sua assinatura, na opinião de alguns historiadores
lusos o acordo estabelecido era extremamente confortável para as duas nações, permitindo
a Portugal ganhar espaço de manobra em relação a Inglaterra. Durante a estada
da rainha-viúva de Portugal em La Granja, a mãe de Carlota Joaquina
encontrava-se grávida pela sexta vez. Mas Maria Luísa não conseguiu levar esta
gravidez a bom porto, sofrendo um terceiro aborto. A princesa devia estar muito
satisfeita com o retrato que Mengs tinha pintado da sua filha porque nesse
mesmo ano o pintor da corte voltou a realizar um retrato da parmesana. Neste
quadro pode observar-se que a princesa já não tinha aquele biquito amoroso que
vai de orelha a orelha segundo uma frase proferida por um culto clérigo francês
para aludir aos sensuais lábios de outra célebre intriguista, mademoiselle
Mancini, sobrinha do cardeal Mazzarino, e que também se adaptava para descrever
a principal característica do rosto da princesa assim que esta chegou à corte espanhola.
Os abortos e outros dissabores tinham começado a minar parcialmente a sua
beleza. Maria Luísa voltou a engravidar rapidamente, mas o resultado, embora
não fosse trágico, foi desanimador, quando a 10 de Janeiro de 1779 deu à luz
outra infanta. Carlota Joaquina parecia condenada a não ter nenhum irmão varão.
Por fim, a 5 de Março de 1780, ao fim de quinze anos de casamento, Maria Luísa
voltou a dar à luz, desta vez um menino, que, em honra do seu avô, recebeu o
nome de Carlos Eusébio.
Mês
e meio depois, Carlota Joaquina fez 5 anos. A partir daí, muitas coisas
começaram a mudar à sua volta. Era como se o nascimento do irmão tivesse
acabado com o silêncio que impedia uma menção mais precisa sobre ela. Os novos
dados não foram abundantes, mas ainda assim bastantes quando comparados com os
das suas irmãs, dos quais existem apenas a data de nascimento e a de um eventual
óbito. É provável que para a entourage
iberista do monarca a pequena Carlota se tenha convertido então na mais séria
candidata à mão do infante João. Este grupo tinha duas figuras dominantes: o
conde de Floridablanca, em Espanha, e Fernán-Núñez, o embaixador espanhol em
Portugal. Foi talvez com a tácita aprovação da rainha-viúva Maria Ana Vitória,
que Floridablanca acabara de conhecer em Espanha, que estes homens se
propuseram realizar os sonhos nunca esquecidos daqueles que eram a favor da
união das duas coroas.
A falta
de boas notícias na frente sucessória portuguesa jogava a favor deles. O
príncipe do Brasil já estava casado há três anos com a sua tia, a infanta Maria
Benedita, que tinha então 35 anos e, até àquela altura, ainda não tinha
engravidado. A importância do infante João seria assim evidente para quem não
quisesse deixar a política entregue ao acaso de um óbito imprevisto. Um bom
político, e Floridablanca era-o, devia ter em mente propostas que resolvessem
situações imprevistas e que só dependiam do destino. Assim, enquanto nas negociações
para casar o infante João, que Portugal tinha encetado com Espanha, através do
marquês de Louriçal, se ia mencionando o nome da arquiduquesa florentina Maria Teresa
Habsburgo, é possível que o círculo mais íntimo em torno do monarca espanhol
tivesse já decidido que a única candidata que para eles valia a pena era a
pequena Carlota, cujo nome ainda seria imprudente mencionar nas ditas
negociações pelo facto de ela ser uma infanta espanhola.
A
Menina do Palácio (1780-1782)
Quando
Carlota fez 5 anos, Mengs tinha morrido há um ano, de modo que foi o seu discípulo
Maella o encarregado de realizar um novo retrato da primogénita dos príncipes das
Astúrias. Se o facto de ter sido retratada num importante quadro de corte
quando ainda não tinha feito 1 ano já tinha representado uma excepção em relação
às suas irmãs, esta segunda obra significava a confirmação da importância por ela
alcançada, e não apenas no plano sucessório. Embora o autor desta segunda
imagem não tenha alcançado a mestria de Mengs, o primeiro retrato que pintou da
infanta Carlota permite descobrir que com esta idade ela já tinha adquirido os traços
essenciais do seu carácter pelos quais viria a ser conhecida. Nele vê-se uma
menina de volumoso cabelo loiro encaracolado e de olhar orgulhoso, que parece muito
segura de si, e que devia já ser igualmente muito sensível para captar o que
acontecia em seu redor». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O
Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009,
ISBN 978-989-626-170-2.
Cortesia
EdosLivros/JDACT