terça-feira, 14 de junho de 2016

Carlota Joaquina. Marsilio Cassotti. «A falta de boas notícias na frente sucessória portuguesa jogava a favor deles. O príncipe do Brasil já estava casado há três anos com a sua tia, a infanta Maria Benedita, que tinha então 35 anos e, até àquela altura, ainda não tinha engravidado»

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Ninguém sabe mentir tão elegantemente como a rainha (1775-1780)
«(…) Não obstante as críticas que o Tratado de El Pardo gerou na corte portuguesa quase imediatamente após a sua assinatura, na opinião de alguns historiadores lusos o acordo estabelecido era extremamente confortável para as duas nações, permitindo a Portugal ganhar espaço de manobra em relação a Inglaterra. Durante a estada da rainha-viúva de Portugal em La Granja, a mãe de Carlota Joaquina encontrava-se grávida pela sexta vez. Mas Maria Luísa não conseguiu levar esta gravidez a bom porto, sofrendo um terceiro aborto. A princesa devia estar muito satisfeita com o retrato que Mengs tinha pintado da sua filha porque nesse mesmo ano o pintor da corte voltou a realizar um retrato da parmesana. Neste quadro pode observar-se que a princesa já não tinha aquele biquito amoroso que vai de orelha a orelha segundo uma frase proferida por um culto clérigo francês para aludir aos sensuais lábios de outra célebre intriguista, mademoiselle Mancini, sobrinha do cardeal Mazzarino, e que também se adaptava para descrever a principal característica do rosto da princesa assim que esta chegou à corte espanhola. Os abortos e outros dissabores tinham começado a minar parcialmente a sua beleza. Maria Luísa voltou a engravidar rapidamente, mas o resultado, embora não fosse trágico, foi desanimador, quando a 10 de Janeiro de 1779 deu à luz outra infanta. Carlota Joaquina parecia condenada a não ter nenhum irmão varão. Por fim, a 5 de Março de 1780, ao fim de quinze anos de casamento, Maria Luísa voltou a dar à luz, desta vez um menino, que, em honra do seu avô, recebeu o nome de Carlos Eusébio.
Mês e meio depois, Carlota Joaquina fez 5 anos. A partir daí, muitas coisas começaram a mudar à sua volta. Era como se o nascimento do irmão tivesse acabado com o silêncio que impedia uma menção mais precisa sobre ela. Os novos dados não foram abundantes, mas ainda assim bastantes quando comparados com os das suas irmãs, dos quais existem apenas a data de nascimento e a de um eventual óbito. É provável que para a entourage iberista do monarca a pequena Carlota se tenha convertido então na mais séria candidata à mão do infante João. Este grupo tinha duas figuras dominantes: o conde de Floridablanca, em Espanha, e Fernán-Núñez, o embaixador espanhol em Portugal. Foi talvez com a tácita aprovação da rainha-viúva Maria Ana Vitória, que Floridablanca acabara de conhecer em Espanha, que estes homens se propuseram realizar os sonhos nunca esquecidos daqueles que eram a favor da união das duas coroas.
A falta de boas notícias na frente sucessória portuguesa jogava a favor deles. O príncipe do Brasil já estava casado há três anos com a sua tia, a infanta Maria Benedita, que tinha então 35 anos e, até àquela altura, ainda não tinha engravidado. A importância do infante João seria assim evidente para quem não quisesse deixar a política entregue ao acaso de um óbito imprevisto. Um bom político, e Floridablanca era-o, devia ter em mente propostas que resolvessem situações imprevistas e que só dependiam do destino. Assim, enquanto nas negociações para casar o infante João, que Portugal tinha encetado com Espanha, através do marquês de Louriçal, se ia mencionando o nome da arquiduquesa florentina Maria Teresa Habsburgo, é possível que o círculo mais íntimo em torno do monarca espanhol tivesse já decidido que a única candidata que para eles valia a pena era a pequena Carlota, cujo nome ainda seria imprudente mencionar nas ditas negociações pelo facto de ela ser uma infanta espanhola.

A Menina do Palácio (1780-1782)
Quando Carlota fez 5 anos, Mengs tinha morrido há um ano, de modo que foi o seu discípulo Maella o encarregado de realizar um novo retrato da primogénita dos príncipes das Astúrias. Se o facto de ter sido retratada num importante quadro de corte quando ainda não tinha feito 1 ano já tinha representado uma excepção em relação às suas irmãs, esta segunda obra significava a confirmação da importância por ela alcançada, e não apenas no plano sucessório. Embora o autor desta segunda imagem não tenha alcançado a mestria de Mengs, o primeiro retrato que pintou da infanta Carlota permite descobrir que com esta idade ela já tinha adquirido os traços essenciais do seu carácter pelos quais viria a ser conhecida. Nele vê-se uma menina de volumoso cabelo loiro encaracolado e de olhar orgulhoso, que parece muito segura de si, e que devia já ser igualmente muito sensível para captar o que acontecia em seu redor». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT