domingo, 19 de junho de 2016

Camões. A Infanta dona Maria. José Maria Rodrigues. «Se fosse galardoado este trabalho tão duro, não vivera maguado. Mas não o foi o passado, Como o será o futuro? De cansar não cansaria…»

jdact

No Oriente
«[…]
E, lá entre si, por dura se julgasse:
Isto só que soubesse, me seria
Descanso para a vida que me fica!
Com isto afagaria o soffrimento!
Ah Senhora! Ah Senhora! E que tão rica

Estais, que cá, tão longe de alegria,
Me sustentais com doce fingimento!
Logo que vos figura o pensamento,
Foge todo o trabalho e toda a pena.
Só com vossas lembranças,

Me acho seguro e forte
Contra o rosto feroz da fera morte!
E logo se me juntam esperanças,
Com que, a fronte tornada mais serena,
Torno os tormentos graves

Em saudades brandas e suaves.
Aqui, com ellas, fico perguntando
Aos ventos amorosos, que respiram
Da parte donde estais, por vós. Senhora;
Ás aves, que d'alli voam, se vos viram,

Que fazieis, que estáveis praticando,
Onde, como, com quem, que dia e que hora?
Alli a vida cansada se melhora,
Toma espiritos novos, com que vença
A fortuna e trabalho,

Só por tornar a ver-vos,
Só por ir a servir-vos e querer-vos.
Diz-me o tempo que a tudo dará talho;
Mas o desejo ardente, que detença
Nunca soffreu, sem tento

Me abre as chagas de novo ao sofrimento,
Assi vivo e se alguém te perguntasse,
Canção, porque não mouro,
Podes-lhe responder que porque mouro (morro de saudades e comtudo são ellas que me dão vida).

São, creio eu, contemporâneas da canção 10.ª as seguintes redondilhas:

Mote (alheio)
Trabalhos descansariam,
Se para vós trabalhasse,
Tempos tristes passariam,
Se algum'hora vos lembrasse.

Glosa
Nunca o prazer se conhece,
Senão depois da tormenta.
Tampouco o bem permanece,
Que, se o descanso florece,
Logo o trabalho arrebenta.
Sempre os bens se lograriam,
Mas os males tudo atalham,
Porém, já que assi porfiam.
Onde descansos trabalham,
Trabalhos descansariam.

Qualquer trabalho me fôra,
Por vós, grão contentamento;
Nada sentira. Senhora,
Se vira disto algum'hora
Em vós um conhecimento.
Por mal que o mal me tratasse,
Tudo por bem tomaria;
Posto que o corpo cansasse,
A alma descansaria,
Se para vós trabalhasse.

Quem vossas cruezas já
Soffreu, a tudo se pôs.
Costumado ficará
E muito melhor será,
Se trabalhar para vós.
Tristezas esqueceriam,
Posto que mal me trataram;
Annos não me lembrariam,
Que, como est'outros passaram,
Tempos tristes passariam.

Se fosse galardoado
Este trabalho tão duro,
Não vivera maguado.
Mas não o foi o passado,
Como o será o futuro?
De cansar não cansaria,
Se quiséreis que cansasse;
Penar, morrer, fa-lo-ía;
Tudo, emfim, esqueceria,
Se algum'hora vos lembrasse.
[…]

In José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761 06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.

Cortesia do AHistórico/UCoimbra/JDACT