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Indiscutivelmente, o julgamento mais infame da Inquisição (maldita) foi o do astrónomo
Galileu Galilei. Nascido em 1564 em Pisa, Itália, Galileu decidiu estudar
medicina. Matriculou-se na Universidade de Pisa em 1581, mas logo mudou seus
interesses científicos e começou a estudar física e matemática. Entre suas
experiências, dizem (mas não há confirmação), estava a tomada de seu pulso para
cronometrar as oscilações de uma lâmpada pendurada no tecto da catedral de
Pisa. Em suas experiências posteriores, descreveu a física do pêndulo. Jogando bolas
de pesos variados do alto da Torre de Pisa, descobriu que caíam com a mesma velocidade
e aceleração uniforme. Obrigado por razões financeiras a abandonar a
universidade sem obter um diploma, voltou para Florença, mas acabou retornando
à universidade como professor e tornou-se figura actuante nas discussões e
controvérsias do campus. A rebeldia
inerente a Galileu chamou a atenção da faculdade e dos estudantes quando ele
zombou do costume de se usarem túnicas académicas, declarando que seria melhor
abandonarem as roupas completamente. Após a morte do pai em 1591, tornou-se o
responsável pelo sustento de sua mãe e irmãos; por isso aceitou um posto na
Universidade de Pádua, que lhe garantia uma remuneração melhor.
Aí
ficou por dezoito anos, enquanto ampliava seu interesse pela astronomia,
modificando um telescópio simples para poder estudar as montanhas da Lua, as
fases de Vénus, as luas de Júpiter, pontos na superfície do Sol e as estrelas
da Via Láctea. Ao publicar suas descobertas em um livreto intitulado Mensageiro
sideral ou Mensagem sideral (Sidereus
nuncius), sua reputação científica subiu como um foguete. Suas observações
retomaram o interesse pelas teorias propostas em 1543 por Nicolau Copérnico,
segundo as quais o Sol era o centro do universo e a Terra era um planeta
giratório que o circundava. Ao abraçar as ideias de Copérnico, Galileu
colocou-se em conflito com a doutrina da Igreja sobre a Criação, baseada no
relato do Génesis. Conhecida como geocentrismo, essa teoria colocava a Terra
como centro do universo e o Sol e as estrelas circulando ao seu redor. Tendo
declarado em 1616 que a visão de Copérnico era perigosa para a fé, a Igreja
convocou Galileu a ir à cidade de Roma onde recebeu instruções do cardeal
Roberto Belarmino para não abraçar, ensinar e defender de maneira alguma, com
palavras ou em textos, a doutrina de Copérnico. Foi uma advertência séria. Mas,
quatro anos depois, Galileu descobriu que o papa, Urbano VIII, havia declarado
que a Sagrada Igreja não tinha condenado e não condenaria a doutrina de
Copérnico como herética, mas apenas como temerária, embora não houvesse
possibilidade de alguém demonstrar que era necessariamente verdadeira.
Interpretando
essas palavras como permissão indirecta para continuar suas pesquisas sobre a
visão de Copérnico, Galileu mergulhou nos estudos por seis anos. O resultado
foi uma defesa vigorosa de Copérnico em Diálogo
sobre os dois principais sistemas do mundo. Ao publicá-lo, Galileu teve que ir
novamente a Roma, acusado de desafiar as instruções do cardeal Belarmino. O
julgamento por um conselho de cardeais começou no Outono de 1632. Ao concluir o
inquérito, um ano depois, a Igreja declarou Galileu suspeito de heresia por ter
sustentado e acreditado na falsa doutrina de que a Terra não era o centro do universo.
Os cardeais informaram a Galileu, nessa época com setenta anos de idade, que o Santo
Ofício (maldito) estava disposto a
absolvê-lo desde que ele, com coração sincero e fé não dissimulada, em nossa
presença abjure [repudie], amaldiçoe e despreze tais erros e heresias. Declarando
proibido o Diálogo, o conselho de
juízes o condenou à prisão no Santo Ofício ao nosso bel-prazer. Mas reservaram o
poder de moderar, comutar ou revogar a sentença. O que eles fariam dependeria
da disposição de Galileu de se ajoelhar diante deles para abjurar. Admitindo em
21 de Junho de 1633 que havia desafiado o aviso de não falar ou escrever em defesa
de Copérnico, ele disse: abjuro com coração sincero e fé não fingida esses
erros e heresias, e os amaldiçoo e desprezo, e juro no futuro não dizer nem
afirmar verbalmente, ou por escrito, o que possa lançar sobre mim suspeitas
semelhantes.
Depois
de um período de confinamento, Galileu recebeu permissão para voltar à sua casa,
perto de Florença, onde viveu recluso, debilitado, e acabou praticamente cego.
Ele morreu em 8 de Janeiro de 1642. Os relatos de sua submissão à Igreja,
publicados mais de um século depois, contêm uma declaração que pode ser uma
lenda. Ao erguer-se depois de ter abjurado, ele teria dito Eppur si muove (E, no entanto, [a Terra] se move). Em
Novembro de 1992, em uma cerimónia em Roma, diante da Pontifícia Academia de Ciências,
o papa João Paulo II declarou oficialmente que Galileu estava certo. A
reabilitação formal baseou-se nas descobertas de um comité da academia formado
pelo papa em 1979, logo após assumir o cargo. O comité decidiu que a Inquisição
havia agido de boa-fé, mas estava errada. Actualmente o Vaticano tem seu
próprio observatório astronómico. O Vaticano observou que os arquivos da
Inquisição e o Índex não sobreviveram bem aos séculos. Como a Igreja tinha a
tradição de queimar muitos dos arquivos com heresias mais delicadas, e o
arquivo da Inquisição havia sido quase inteiramente queimado quando o papa Paulo
IV morreu, em 1559, muitos documentos se perderam. Alguns foram levados para
Paris sob o domínio de Napoleão em 1810 (…) e mais de 2 mil volumes foram
queimados. Alguns caíram nos rios durante o transporte, outros foram vendidos
como papel ou se misturaram com outros arquivos. O Vaticano possui actualmente cerca
de 4,5 mil volumes, dos quais apenas uma pequena parte se refere aos
julgamentos de heresias. O resto trata de controvérsias teológicas e questões
espirituais.
A
origem das espécies, de Charles Darwin e base da teoria da evolução, nunca foi banido
pela Igreja. Ao contrário de algumas igrejas protestantes fundamentalistas que
acatam a Bíblia literalmente quanto ao tema de que Deus criou a humanidade, a
Terra e o universo em sete dias, o Vaticano recentemente declarou que é
possível que algumas espécies, com a ajuda de um poder superior, tenham
conseguido evoluir para as espécies existentes no mundo actual. Noticiando a
abertura de uma exposição do acervo do arquivo do Vaticano em 2008, a revista Newsweek observou que a mostra incluía documentos
sobre as restrições da Igreja ao movimento dos judeus, instruções para a
perseguição dos protestantes. (…) Havia mapas do século XVIII descrevendo os guetos de Roma, Ancona e Ferrara,
mostrando onde os judeus podiam viver, em rosa ou amarelo, e em azul onde
tinham autorização para manter seus negócios. Havia documentos com regras
escritas à mão descrevendo quando as mulheres judias poderiam estar fora das
áreas restritas e o que poderiam vestir. Havia desenhos das prisões, longas
listas de livros banidos e éditos. (…) Um de 1611 descrevia como os inquisidores
deveriam se comportar no trabalho e fora dele, e havia uma ilustração mostrando
o que as crianças deveriam usar para ir à escola e à praia. Os investigadores
eram informados até dos pijamas aceitáveis. Outros documentos visavam caçadores
e pescadores, que estariam invadindo o território do Vaticano. E há uma jóia do
século XIX, sobre um homem que foi condenado à morte por afirmar que era santo.
Os inquisidores tinham autoridade em áreas que iam da iconografia à forma como
as imagens de santos e prelados podiam ser retratadas. Essa não foi a primeira
vez que a Igreja tentou mostrar que os juízes da Inquisição não eram tão
brutais quanto se acreditava anteriormente. Em 2004, o Vaticano publicou um relatório
de 800 páginas declarando que daqueles investigados como heréticos pela notória
Inquisição (maldita) espanhola, que
era independente de Roma no século XV, apenas 1,8% dos acusados foi realmente
executado. No entanto, o papa João Paulo II se referiu à campanha de 700 anos da
Igreja contra a heresia como uma fase atormentada e o maior erro da história da
Igreja. Um dos livros que escapou de ser banido foi um romance clássico do
século XIX, A cabana do pai Tomás, de
Harriet Beecher Stowe. Enquanto estava sendo examinado pelos inquisidores em
Roma, que formaram um departamento conhecido como Sagrada Congregação do Índex,
um dos leitores do Vaticano considerou a história da escravidão nos Estados
Unidos um apelo implícito para a revolução. Quando foi solicitada aos
inquisidores uma segunda opinião, eles não consideraram o livro prejudicial, e
por isso jamais decretaram sua proibição». In Paul Jeffers, Mistérios Sombrios do
Vaticano, 2012, tradução de Elvira Serapicos, Editora Jardim dos Livros, 2013,
ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).
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