segunda-feira, 13 de junho de 2016

Um Mundo Sem Nós. Alan Weisman. «No espaço de duas décadas, os pára-raios começarão a enferrujar e a partir-se, e os fogos no telhado saltarão de prédio em prédio, entrando pelos escritórios apainelados cheios de papel combustível»

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A Cidade sem Nós
«(…) À medida que o pavimento se abre, sementes de mostarda, trevo e outras ervas são sopradas do Central Park e penetram pelas fissuras, que se abrem ainda mais. No mundo actual, e antes que elas vão muito longe, a manutenção urbana geralmente aparece, mata as sementes e fecha as rachas. Mas, no mundo pós-pessoas, já não há ninguém para andar constantemente a remendar Nova Iorque. As sementes são sequidas por uma das mais prolíficas espécies exóticas, a árvore chinesa ailanthus. Mesmo no meio de oito milhões de pessoas, os ailanthus, também inocentemente conhecidos por árvore-do-paraíso, são invasores implacáveis, capazes de criar raízes nos pequenos espaços dos túneis subterrâneos, passando despercebidos até as suas copas começarem a sair pelos interstícios dos passeios. No prazo de cinco anos, sem ninguém que mate as suas sementes, as poderosas raízes da árvore-do-paraíso levantarão passeios e criarão o caos nos esgotos, já pressionados por todos os sacos de plástico e jornais velhos que ninguém limpa. À medida que o solo, há muito aprisionado sob o pavimento, fica exposto ao calor e à chuva, surgem outras espécies, e rapidamente as folhas secas se juntam aos detritos que entopem os esgotos. As plantas pioneiras não terão de esperar que o pavimento se desfaça. A começar pela lama que se junta nas sarjetas, começará a formar-se uma camada de solo sobre a superfície dura e estéril de Nova Iorque, e as sementes germinarão aí. Com muito menos material orgânico disponível, apenas poeira soprada pelo vento e poluição urbana, foi precisamente isso que aconteceu num viaduto abandonado da Via Férrea Central de Nova Iorque no West Side de Manhattan. Desde que os comboios deixaram de passar por lá em 1980, às inevitáveis árvores-do-paraíso juntou-se uma cada vez maior camada de erva e de esfuziantes betónias, ponteadas por tufos de solidago. Em alguns locais, a linha emerge dos segundos andares de armazéns que dantes servia para vias elevadas semeadas de açafrões selvagens, íris, primaveras, ásteres e flores da cenoura selvagem. Por isso, muitos nova-iorquinos, ao olharem pelas janelas no bairro artístico de Chelsea, ficaram tão comovidos com a visão deste involuntário e florescente espaço verde que profeticamente reclamava para si uma fatia morta da sua cidade, que foi baptizado de Linha Alta e oficialmente classificado como parque.
Nos primeiros anos sem calor, os canos rebentam por toda a cidade, o ciclo congelamento-descongelamento muda-se para dentro de casa, e as coisas começam a deteriorar-se seriamente. Os edifícios começam a gemer com a dilatação e contracção dos seus interiores; as juntas entre as paredes e os telhados separam-se. Nesses pontos, penetra a chuva, os rebites enferrujam, e as coberturas saltam, deixando passar a luz do Sol. Se a cidade ainda não ardeu, arderá agora. Colectivamente, a arquitectura de Nova Iorque não é tão combustível como, digamos, a de S. Francisco, com as suas incendiárias madeiras vitorianas. Mas, sem bombeiros que respondam à chamada, um raio de uma trovoada seca que incendeie um monte de ramos secos em Central Park lançará chamas pelas ruas. No espaço de duas décadas, os pára-raios começarão a enferrujar e a partir-se, e os fogos no telhado saltarão de prédio em prédio, entrando pelos escritórios apainelados cheios de papel combustível. As canalizações de gás incendeiam-se com um jorro de chamas que rebenta com as janelas. A chuva e a neve penetram por elas, e em breve cada chão de cimento estará a gelar e a aquecer, e a começar a partir-se. A exposição solar e a madeira queimada acrescentarão nutrientes à crescente camada de solo de Manhattan. As trepadeiras e heras sobem pelas paredes cobertas de líquenes, que prosperam na ausência de poluição no ar. Falcões-de-cauda-vermelha e falcões peregrinos fazem ninho nas altas estruturas cada vez mais esqueléticas.
No espaço de dois séculos, calcula o vice-presidente do Jardim Botânico de Brooklyn, Steven Clemants, as árvores colonizadoras terão substituído em grande medida as sementes pioneiras. As goteiras sepultadas sob toneladas de folhas mortas oferecem um novo solo fértil para os carvalhos e plátanos dos parques citadinos. As acácias e os arbustos fixam azoto, permitindo que girassóis, capim e ageratina cresçam ao lado de macieiras, sendo as suas sementes espalhadas pelos pássaros que proliferam. A biodiversidade aumentará ainda mais, prevê o director de engenharia civil da Cooper Union, Jameel Ahmad, à medida que os prédios desabam e se esmagam uns contra os outros, e o calcário do cimento esmagado aumenta o pH do solo, chamando árvores como o amieiro-negro e a bétula, que crescem em ambientes menos ácidos. Ahmad, um homem caloroso de cabelo prateado que fala descrevendo círculos com as mãos, pensa que o processo começará mais cedo do que se pensa. Natural de Lahore, Paquistão, cidade de antigas mesquitas incrustadas de mosaicos, ensina hoje como projectar e modificar edifícios de modo e suportarem ataques terroristas, e adquiriu bons conhecimentos sobre fraquezas estruturais». In Alan Weisman, Um Mundo Sem Nós, tradução José Barreto, Estrela Polar, 2007, ISBN 978-972-892-277-0.

Cortesia EPolar/JDACT