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No entanto, não é apenas pela introdução dos elementos do amor cortês que se
manifesta, por parte dos autores dos romances de temática clássica, uma
perspectiva medieval do mundo antigo. Na verdade, assiste-se a um constante
anacronismo na representação deste, bem patente nos modelos medievais de que se
servem para descrever cidades, fortificações, a organização militar, os
costumes, jogos, a alimentação ou os comportamentos das personagens. Como
refere Ramon Lorenzo, o mundo cortês e cavaleiresco aflora por todas as partes,
discute-se sobre o amor à maneira medieval e aparece a imagem do torneio
aplicada à guerra. Regista-se, ainda a tendência de designar objectos com
qualificativos ponderativos, como os cavalos de Castela ou de Aragão, as
espadas dinamarquesas, os escudos de Saragoça, os elmos de Pavia ou os arcos
torquescos, entre muitos outros possíveis exemplos. Mas também nas referências
religiosas encontra-se presente o anacronismo da representação literária da
Antiguidade, com o surgimento das designações de arcebispos, bispos, curas e
monjas a personagens dos romances, enquanto se encontram assinalados conventos
ou igrejas dedicados a deuses pagãos, e os actos religiosos acabam por
transmitir a influência dos praticados pelos cristãos.
Quanto à presença e acção nas narrativas dos deuses antigos, ela surge bastante
atenuada, não deixando os autores de os apresentar, por vezes, segundo uma
óptica evemerista. No entanto, aparecem amplamente referenciados seres
imaginários e mitológicos da Antiguidade, como as sereias, os sagitários, as
amazonas e as feiticeiras, entre outros. Tal presença relaciona-se com o gosto pelo
fantástico e pelos prodígios do público dos romances, presente, igualmente, na
descrição de câmaras encantadas, feitiços, mundos imaginários e das raças
monstruosas, ou ainda das regiões e animais fabulosos, conjuntamente com
referências ao maravilhoso judaico-cristão, como é o caso das descrições e
alusões ao Paraíso terreno.
Em
suma, é, fundamentalmente, o Oriente que promove o fascínio e desperta a
atenção do público cortês. Ele constituía, na altura, um mundo onde as
maravilhas e os prodígios se tornavam possíveis, para uma sociedade que em
parte o tinha redescoberto graças às Cruzadas. As descrições das regiões
longínquas do Ocidente medieval, com os seus habitantes e seres fabulosos,
permitiam, igualmente, aos autores da época revelar a sua erudição no que
respeitava ao conhecimento das obras dos autores antigos que as tinham relatado.
Ora, o anacronismo histórico também se manifesta no retrato, nas atitudes e nos
comportamentos das personagens dos romances. Enquadrados em narrativas
originárias da Antiguidade, manifestam sentimentos influenciados pela inclusão
dos motivos do amor cortês. Por outro lado, apresentando as narrativas de
origem clássica desenlaces trágicos, assiste-se a uma concepção de heroicidade
marcada pelo fatalismo, revelando-se, assim, a influência das epopeias, ao qual
surge associado o amor impossível e trágico. Neste sentido, Jean Frappier
referencia a intemporalidade que caracteriza as personagens dos romances de
temática antiga, tendo em conta os elementos medievais que se introduzem na sua
descrição e nas acções por elas protagonizadas.
O Roman
de Troie
Por
fim, faremos uma breve referência introdutória ao poema de Benoit de
Saint-Maur, ao qual se aplicam as características atrás citadas ao conjunto dos
romances do Ciclo Antigo. Assim, as fontes do Roman de Troie foram as
obras de Dares Phrygius e Dictis Cretensis, respectivamente, a De excídio
Trojae historia e a Ephemeris belli Trojani. Ambas passavam por ser
escritas por autores que tinham participado no cerco de Tróia, Dares do lado
troiano e Dictis do grego, e que pretendiam corrigir Homero, pois este teria
escrito as suas obras 100 anos após os acontecimentos nelas relatados. Hoje
supõe-se que o texto latino de Dares pertence ao século VI, enquanto o de
Dictis, ao IV. No entanto, na sua origem encontram-se textos mais antigos. As
obras dos dois autores gozaram de assinalável êxito na Idade Média,
particularmente a de Dares, conservando-se, de ambas, numerosos manuscritos
provenientes de diversos locais da Europa». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos
na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos
Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.
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