terça-feira, 26 de julho de 2016

A Peregrina. John Bunyan. «E se não acreditassem que sou teu? E se pensam talvez que é um engano? É possível que um livro se apresente qual Peregrino, sua aparência usando…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Prólogo da segunda parte de O Peregrino

«Vai, meu livro, onde queira que tenha

meu primeiro Peregrino penetrado;

chama a todas as portas; se perguntam

quem é? Diz que é Cristiana, sem reparo.

Entra, se te permitem, com teus filhos,

e diz quem são, de onde vieram.

Talvez já pelos nomes ou pelos rostos

os tenham conhecido; ainda se porém

não sabem quem são, pergunta então

se passou em suas casas um Cristiano.

Se te respondem que sim, que com prazer

o viram rumo à glória caminhar,

saibam agora que sua esposa e filhos

buscam o céu pelo mesmo andar.



Diz que, por se fazerem peregrinos,

cidade e lar com decisão deixaram;

que provaram amarguras, privações;

que sofreram suas provas e trabalhos;

que tiveram lutas com demónios

e venceram difíceis obstáculos.

Fala de aqueles outros, que o caminho

com valor e fidelidade completaram,

porque buscavam, desprezando o mundo,

a vontade de Deus executarem.



Fala também das coisas agradáveis

com que são seus desgostos compensados,

e saibam que os tem o Rei do céu

sob seu amor e paternal amparo.

Quão formosas mansões lhes prepara,

enquanto com ventos e ondas vão lutando;

quão doce calma gozarão por sempre,

pois foram fiéis até o fim, perseverando.



Talvez, oh, Livro meu, te recebam

como ao primeiro, com afectuoso abraço,

e gozosos te dêem as boas-vindas,

seu amor aos viajantes demonstrando.



Objecção 1

E se não acreditassem que sou teu?

E se pensam talvez que é um engano?

É possível que um livro se apresente

qual Peregrino, sua aparência usando,

e pelo nome e o disfarce consiga

entrar nas casas de alguns incautos.



Resposta

Falsificar meu Peregrino, é verdade,

faz já algum tempo, o pretenderam vários,

com meu nome e meu título em seus livros;

mas estes, pelo estilo e pelos rasgos,

pronto fizeram saber que não são meus,

mas de autores que usam nomes falsos.



Se achas quem isto objecte, teu recurso

é dizer o que dizes, pois é claro

que agora ninguém usa tua linguagem,

nem tampouco facilmente poderá imitá-la.



Sem, contudo, persistem na dúvida,

acreditando que marcham como ciganos,

para enganar e corromper a muitos

por todas partes aonde vão passando,

chamai-me sem demora, eu testemunho,

que são meus Peregrinos sem engano.



Objecção 2

E se talvez pergunto aos que querem

ver meu Peregrino condenado,

ou quando ouvir minha pergunta enfurecem

os da casa em cuja porta eu chamo?



Resposta

Não temas, Livro meu, esses fantasmas;

nada são, não te dêem temores vãos.

Terra e mares atravessou meu Peregrino,

e não soube que fosse rejeitado

em reino algum, fosse pobre ou rico,

nem em desprezo as portas lhe fecharam.



Na França e em Flandes, onde estão em guerra,

entrou como um amigo e um irmão.



Na Holanda também, segundo falam,

é por muitos mais que o ouro apreciado.



Serranos e irlandeses concordaram

recebê-lo com sincero aplauso.



Na América foi tão acolhido

e olham para ele com tanto agrado,

que o encadernam, o pintam, o embelezam,

para aumentar seu conhecido encanto.

Em fim, que por qualquer lugar que se apresente

milhares falam e cantam o louvando.



Se é em sua pátria, não sofreu meu Livro

vergonha nem temor em nenhum lado.

Bem-vindo!, lhe dizem, e o lêem

na cidade o mesmo que no campo.

Não podem reprimir um bel sorriso

os que o vêem vender ou ser levado.

Os jovens o abraçam e o estimam

mais que outras obras de maior tamanho,

e dizem dele, com gozo: Vale mais

a pata de minha cotovia que um falcão.



As senhoritas e as damas, todas,

lhe mostram por igual sua boa-vontade,

e ocupa sempre preferencial espaço

em bolsos, corações e em armários;

porque às suas almas leva seus enigmas

com tal proveito, em benéficos parágrafos,

que compensa grandemente a dor de lê-lo,

e mais que o ouro sabem apreciá-lo.



Até os pequenos que andam pela rua,

ao se encontrarem meu Peregrino ao passo,

o saúdam e alegres cumprimentam,

dizendo que é o moço mais simpático.



Também o admiram os que não o viram,

porque souberam de seus feitos algo,

e desejam tê-lo, para que lhes faça

de seus curiosos sucessos o relato.



Os que não o estimavam num princípio,

acusando-o de simples ou insensato,

por conhecê-lo já, o recomendam,

e aos seus o enviam de presente.



Assim, não temas, minha Segunda Parte;

alça tua testa, ninguém te fará dano;

os que têm amor para a Primeira

te acolherão com gozo e entusiasmo,

pelas coisas que dás, úteis e boas,

a pobres, ricos, jovens e anciãos.

[…]

In John Bunyan, A Peregrina, 1678, tradução de Daniela Raffo, Wikipedia, Editora Mundo Cristão, 2008.

Cortesia de Daniela Raffo/EMCristão/JDACT