Cortesia
de wikipedia e jdact
Prólogo
da segunda parte de O Peregrino
«Vai,
meu livro, onde queira que tenha
meu
primeiro Peregrino penetrado;
chama
a todas as portas; se perguntam
quem
é? Diz que é Cristiana, sem reparo.
Entra,
se te permitem, com teus filhos,
e
diz quem são, de onde vieram.
Talvez
já pelos nomes ou pelos rostos
os
tenham conhecido; ainda se porém
não
sabem quem são, pergunta então
se
passou em suas casas um Cristiano.
Se
te respondem que sim, que com prazer
o
viram rumo à glória caminhar,
saibam
agora que sua esposa e filhos
buscam
o céu pelo mesmo andar.
Diz
que, por se fazerem peregrinos,
cidade
e lar com decisão deixaram;
que
provaram amarguras, privações;
que
sofreram suas provas e trabalhos;
que
tiveram lutas com demónios
e
venceram difíceis obstáculos.
Fala
de aqueles outros, que o caminho
com
valor e fidelidade completaram,
porque
buscavam, desprezando o mundo,
a
vontade de Deus executarem.
Fala
também das coisas agradáveis
com
que são seus desgostos compensados,
e
saibam que os tem o Rei do céu
sob
seu amor e paternal amparo.
Quão
formosas mansões lhes prepara,
enquanto
com ventos e ondas vão lutando;
quão
doce calma gozarão por sempre,
pois
foram fiéis até o fim, perseverando.
Talvez,
oh, Livro meu, te recebam
como
ao primeiro, com afectuoso abraço,
e
gozosos te dêem as boas-vindas,
seu
amor aos viajantes demonstrando.
Objecção
1
E se
não acreditassem que sou teu?
E se
pensam talvez que é um engano?
É
possível que um livro se apresente
qual
Peregrino, sua aparência usando,
e
pelo nome e o disfarce consiga
entrar
nas casas de alguns incautos.
Resposta
Falsificar
meu Peregrino, é verdade,
faz
já algum tempo, o pretenderam vários,
com
meu nome e meu título em seus livros;
mas
estes, pelo estilo e pelos rasgos,
pronto
fizeram saber que não são meus,
mas
de autores que usam nomes falsos.
Se
achas quem isto objecte, teu recurso
é
dizer o que dizes, pois é claro
que
agora ninguém usa tua linguagem,
nem
tampouco facilmente poderá imitá-la.
Sem,
contudo, persistem na dúvida,
acreditando
que marcham como ciganos,
para
enganar e corromper a muitos
por
todas partes aonde vão passando,
chamai-me
sem demora, eu testemunho,
que
são meus Peregrinos sem engano.
Objecção
2
E se
talvez pergunto aos que querem
ver
meu Peregrino condenado,
ou
quando ouvir minha pergunta enfurecem
os
da casa em cuja porta eu chamo?
Resposta
Não
temas, Livro meu, esses fantasmas;
nada
são, não te dêem temores vãos.
Terra
e mares atravessou meu Peregrino,
e
não soube que fosse rejeitado
em
reino algum, fosse pobre ou rico,
nem
em desprezo as portas lhe fecharam.
Na
França e em Flandes, onde estão em guerra,
entrou
como um amigo e um irmão.
Na
Holanda também, segundo falam,
é
por muitos mais que o ouro apreciado.
Serranos
e irlandeses concordaram
recebê-lo
com sincero aplauso.
Na
América foi tão acolhido
e
olham para ele com tanto agrado,
que
o encadernam, o pintam, o embelezam,
para
aumentar seu conhecido encanto.
Em
fim, que por qualquer lugar que se apresente
milhares
falam e cantam o louvando.
Se é
em sua pátria, não sofreu meu Livro
vergonha
nem temor em nenhum lado.
Bem-vindo!,
lhe dizem, e o lêem
na
cidade o mesmo que no campo.
Não
podem reprimir um bel sorriso
os
que o vêem vender ou ser levado.
Os
jovens o abraçam e o estimam
mais
que outras obras de maior tamanho,
e
dizem dele, com gozo: Vale mais
a
pata de minha cotovia que um falcão.
As
senhoritas e as damas, todas,
lhe
mostram por igual sua boa-vontade,
e
ocupa sempre preferencial espaço
em
bolsos, corações e em armários;
porque
às suas almas leva seus enigmas
com
tal proveito, em benéficos parágrafos,
que
compensa grandemente a dor de lê-lo,
e
mais que o ouro sabem apreciá-lo.
Até
os pequenos que andam pela rua,
ao
se encontrarem meu Peregrino ao passo,
o
saúdam e alegres cumprimentam,
dizendo
que é o moço mais simpático.
Também
o admiram os que não o viram,
porque
souberam de seus feitos algo,
e
desejam tê-lo, para que lhes faça
de
seus curiosos sucessos o relato.
Os
que não o estimavam num princípio,
acusando-o
de simples ou insensato,
por
conhecê-lo já, o recomendam,
e
aos seus o enviam de presente.
Assim,
não temas, minha Segunda Parte;
alça
tua testa, ninguém te fará dano;
os
que têm amor para a Primeira
te
acolherão com gozo e entusiasmo,
pelas
coisas que dás, úteis e boas,
a
pobres, ricos, jovens e anciãos.
[…]
In John
Bunyan, A Peregrina, 1678, tradução de Daniela Raffo, Wikipedia, Editora Mundo
Cristão, 2008.
Cortesia
de Daniela Raffo/EMCristão/JDACT