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Relegado para segundo plano e, em boa parte, por vontade própria, ou falta dela,
Juan II pensaria por esta altura ter cumprido a sua parte no que dizia respeito
a garantir a continuidade da dinastia de Trastâmara no trono. Tinha casado, em 1420,
com dona Maria de Aragão, filha do seu tio Fernando, e haviam tido quatro
filhos. As três meninas morreram ainda crianças, mas o filho varão, Henrique, estava
vivo e de boa saúde. Naquele ano de 45, porém, a pacata vida familiar do rei foi
subitamente abalada pela inesperada morte da mulher. Juan ficava ainda um pouco
mais sozinho no mundo, mas, apesar de tudo, tinha a descendência assegurada, não
havia razão para voltar a casar.
Contudo,
Álvaro Luna, como sempre, via mais longe... Era uma tragédia aquilo que acontecera
a dona Maria, senhora tão ilustre, uma tragédia..., mas podia ser transformada
numa oportunidade... Castela estava precisada de aliados. Era urgente deixar Aragão
isolada no mapa político da Península. E Portugal estava mesmo ali ao lado, ainda
por cima, tínhamos ainda há pouco assinado com eles o tratado de paz que punha
uma pedra sobre aquele velho assunto das guerras de Aljubarrota e afins. Que melhor
forma de celebrar esta nova amizade do que casar o rei de Castela com uma infanta
portuguesa, ainda para mais, bisneta do nosso antigo inimigo de guerra, Nuno Álvares
Pereira?
O tempo
ia passando e Juan não se decidia; protelava. Até que Álvaro Luna lhe abriu os olhos:
já ia para sete anos que o filho Henrique estava casado com Branca de Aragão, onde
estavam os filhos? Já começava por aí a circular..., enfim, vossa majestade sabe
como são as pessoas, mas..., quem sabe? Deus move-se por caminhos misteriosos...,
comentava-se, enfim, por aqui e por ali, que talvez Henrique..., não desse conta
do recado. Juan II dava-se, finalmente, por convencido. Era preciso assegurar
descendência saudável ao trono de Castela e, se o filho não era capaz, trataria
ele mesmo do assunto. Ia voltar a casar.
A 17
de Agosto de 1447 , depois de terem recebido dispensa do papa Eugénio IV dos
laços de consanguinidade que ainda os ligavam, Juan II de Castilla, de 42 anos,
e Isabel de Portugal, de 19, casavam em Madrigal. Como dote, Isabel recebeu o senhorio
de algumas localidades castelhanas, como a vila de Arévalo, e entrava assim para
o distinto lote de descendentes de João I de Portugal que então se distribuiu por
múltiplos lugares de destaque nas casas reais da Europa, e entre os quais
avultava dona Leonor, imperatriz da Alemanha. Contudo, Isabel não tinha seguido
sozinha para a nova vida em Castela; com ela, levara quatro ou cinco aias, uma delas,
Beatriz.
Não foi
pacífica a chegada das portuguesas à corte que se dividia entre Madrigal e Tordesilhas.
A jovem rainha tinha de encontrar o seu lugar num ambiente perpassado de
intrigas e onde depressa percebeu que quem mandava não era o marido, mas o inseparável
Álvaro Luna. Quanto à aia, desviava inadvertidamente as atenções de Isabel... Condes
e duques querem desposá-la e a sua beleza começava a arriscar transformar-se em
maldição... Em 1451, Isabel dá a desejada descendência a Juan, sobretudo porque
Henrique e Branca continuam... ,em branco. É uma menina e recebe o mesmo nome da
mãe, mas o seu nascimento traz implicações indesejadas: a rainha dá os primeiros
sinais de instabilidade mental. Mergulha numa depressão profunda e recusa-se a falar
com quem quer que seja, excepto o marido. Álvaro Luna, maquinador do casamento e,
afinal, de tudo quanto se passava em Castela, não poderia imaginar o que se passaria
depois...» In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das
Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia de
CdasLetras/JDACT