quinta-feira, 7 de julho de 2016

Sonetos. Florbela Espanca. «E a minha triste boca dolorida, que dantes tinha o rir das Primaveras, esbate as linhas graves e severas e cai num abandono de esquecida!»

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«Ama-se quem se ama e não quem se quer amar»

Castelã da Tristeza
«Altiva e couraçada de desdém,
vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor...
E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês?... A quem?...
E o meu olhar é interrogador,
perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Chora o silêncio..., nada.... ninguém vem...

Castelã da Tristeza, por que choras
lendo, toda de branco, um livro de horas,
à sombra rendilhada dos vitrais?...

À noite, debruçada pelas ameias,
por que rezas baixinho?... Por que anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?...»

Tortura
«Tirar dentro do peito a Emoção,
a lúcida Verdade, o Sentimento!
E ser, depois de vir do coração,
um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
e puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração,
o pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
rimas perdidas, vendavais dispersos,
com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
o verso altivo e forte, estranho e duro,
que dissesse, a chorar, isto que sinto!!»

Lágrimas Ocultas
«Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era querida,
parece-me que foi noutras esferas,
parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
que dantes tinha o rir das Primaveras,
esbate as linhas graves e severas
e cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
o meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!»

Torre da névoa
«Subi ao alto, à minha Torre esguia,
feita de fumo, névoas e luar,
e pus-me, comovida, a conversar
com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
dos versos que são meus, do meu sonhar,
e todos os poetas, a chorar,
responderam-me então: que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
tivemos ilusões, como ninguém,
e tudo nos fugiu, tudo morreu!...

Calaram-se os poetas, tristemente...
E é desde então que eu choro amargamente
na minha Torre esguia junto ao Céu!...»
Sonetos de Florbela Espanca, in “Sonetos Completos

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