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«Ama-se quem se ama e não quem se quer
amar»
Este
Livro
«Este
livro é de mágoas. Desgraçados
que
no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente
a vossa dor de Torturados
pode,
talvez, senti-lo..., e compreendê-lo.
Este
livro é para vós. Abençoados
os
que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia
de tristes... Ó Desventurados,
que
a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!
Livro
de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro
de Sombras... Névoas... e Saudades!
Vai
pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)
Irmãos
na Dor, os olhos rasos de água,
chorai
comigo a minha imensa mágoa,
lendo
o meu livro só de mágoas cheio!...»
Vaidade
«Sonho
que sou a Poetisa eleita,
aquela
que diz tudo e tudo sabe,
que
tem a inspiração pura e perfeita,
que
reúne num verso a imensidade!
Sonho
que um verso meu tem claridade
para
encher todo o mundo! E que deleita
mesmo
aqueles que morrem de saudade!
Mesmo
os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho
que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela
de saber vasto e profundo,
aos
pés de quem a terra anda curvada!
E
quando mais no céu eu vou sonhando,
e
quando mais no alto ando voando,
acordo
do meu sonho... E não sou nada!...»
Eu
«Eu
sou a que no mundo anda perdida,
eu
sou a que na vida não tem norte,
sou
a irmã do Sonho, e desta sorte
sou
a crucificada... a dolorida...
Sombra
de névoa ténue e esvaecida,
e
que o destino amargo, triste e forte,
impele
brutalmente para a morte!
Alma
de luto sempre incompreendida!...
Sou
aquela que passa e ninguém vê...
Sou
a que chamam triste sem o ser...
Sou
a que chora sem saber por quê...
Sou
talvez a visão que Alguém sonhou,
alguém
que veio ao mundo p’ra me ver
e
que nunca na vida me encontrou!»
Castelã
«Altiva
e couraçada de desdém
vivo
sozinha em meu castelo, a Dor...
Debruço-me
às ameias ao sol-pôr
e
ponho-me a cismar não sei em quem!
Castelã
da Tristeza vês alguém?!...
E o
meu olhar é interrogador...
E
rio e choro! É sempre o mesmo horror
e
nunca, nunca vi passar ninguém!
Castelã
da Tristeza, porque choras,
lendo
toda de branco um livro de horas,
à
sombra rendilhada dos vitrais?...
Castelã
da Tristeza, é bem verdade,
que
a tragédia infinita é a Saudade!
Que
a tragédia infinita é Nunca Mais!!»
Sonetos de Florbela Espanca, in “Sonetos Completos”
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