sexta-feira, 8 de julho de 2016

Mais do que Sedução. Cheryl Holt. «Trabalho árduo, uma dieta saudável e a estatura pequena haviam-se combinado para lhe estreitar o torso. Ao lado da impressionante e roliça senhora da nobreza, sentia-se magra, esquálida e mal alimentada»

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Somerset rural. Inglaterra 1813
«(…) Abrandou o passo ao chegar à porta da sala de recepção, inspirou profundamente algumas vezes e essa demora deu-lhe a possibilidade de avaliar lady Eleanor. Era uma beleza régia, com uma figura agradavelmente roliça, grandes olhos azuis e um cabelo loiro fabuloso apanhado num intrincado coque. Tinha uma pele suave de um branco-pérola, do género que só as senhoras muito ricas se podiam dar o luxo de manter à custa de cremes caros. O vestido cor de safira era de um tecido caro que plissava e brilhava quando se movia. Por comparação, Anne parecia deselegante e sem graça, no seu vestido cinzento funcional, por cima do qual usava o avental engomado. Tinha a saia salpicada de água, a que se juntavam manchas na bainha. Apesar de usar o cabelo castanho apanhado numa trança, o calor e a transpiração de horas de trabalho tinham provocado a queda de várias madeixas.
Trabalho árduo, uma dieta saudável e a estatura pequena haviam-se combinado para lhe estreitar o torso. Ao lado da impressionante e roliça senhora da nobreza, sentia-se magra, esquálida e mal alimentada. O seu corpo apresentava-se deselegantemente bronzeado por demasiado trabalho ao sol e as suas mãos ásperas e gretadas pelo excesso de tarefas. O negócio prosperava e havia dinheiro disponível para loções frívolas e outros mimos, mas nunca tinha um momento de ócio em que pudesse cuidar de si. Estava constantemente ocupada e olhar para lady Eleanor fazia com que se sentisse cansada e decrépita. Lady Eleanor aproximara-se da janela e olhava para o exterior numa tentativa de determinar o que tinha desviado a atenção de Anne. Felizmente, o escandaloso par já não se encontrava em lugar visível. Anne não conseguia imaginar que mentiras teria de inventar se lady Eleanor tivesse visto as duas. Se ao menos lady Eleanor a tivesse avisado antecipadamente da sua visita, Anne poderia ter feito preparativos; poderia ter fechado os portões e recusado a admissão do bando de desenfreadas banhistas.
Mas não havia mais nada a fazer, a não ser dar por terminada a conversa e fazer com que a teimosa mulher se fosse embora. Lady Eleanor deu meia volta quando Anne entrou no salão, embaraçada por ter sido apanhada a espiar, mas disfarçou bem o seu lapso. Anne indicou as cadeiras com a mão e as duas sentaram-se de novo. Muito bem, começou Anne, onde íamos nós? Estávamos a falar do meu irmão, Stephen. Ah, sim. O famoso capitão Stephen Chamberlin. Devasso. Libertino. Herói de guerra. Por que motivo um patife tão ilustre enviava a irmã ao campo para fazer solicitações em seu nome? Não teria maneiras? Ou vergonha? Foi ferido em Espanha. A sério?, perguntou Anne em tom suave. Os ricos e poderosos não detinham qualquer monopólio das misérias da guerra. O seu próprio irmão, Phillip, quase fora morto em Salamanca. Recusava-se a mostrar qualquer simpatia pela família Chamberlin. Já referi que o nosso pai é Robert Chamberlin, o conde de Bristol? Quatro vezes!
Já, sim. Mas Anne não se mostrara perturbada por tão impressionante notícia. Não dava dois dinheiros por qualquer senhor da terra e, se lady Eleanor esperava surpreendê-la ou chocá-la com a alusão ao título, estava a pregar no deserto. Anne não podia importar-se menos. Se o que a preocupa é a minha capacidade de a remunerar pelo tratamento do meu irmão, posso assegurar que será muito bem recompensada. Não é uma questão de dinheiro. Então, o que é? Anne tinha tantos motivos para recusar que nem conseguia enumerar todos. Em primeiro lugar, não podia ter um homem na sua propriedade. O que diriam as suas clientes? E o que pensariam os vizinhos de algo tão impróprio? A grande metrópole mais próxima era Bath, que atraía muita gente em busca de convalescença. As personagens mais abastadas e influentes de Inglaterra faziam frequentes peregrinações à cidade, mas muitas privacidades femininas preferiam a privacidade da propriedade de Anne. Os antigos banhos romanos, que ela e Kate tinham renovado, constituíam uma dádiva, uma bênção de valor inestimável, e não estava disposta a estragar tudo acolhendo o capitão Chamberlin. Por mais ferido que ele pudesse estar, não podia arriscar o seu ganha-pão. As minhas hóspedes são todas mulheres, esclareceu. Não seria adequado». In Cheryl Holt, Mais do que Sedução, 2004, tradução de Paulo Moreira, Quinta Essência, 2015, ISBN 978-989-1-319-3.

Cortesia de QEssência/JDACT